Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Wednesday, October 18, 2006

Ainda sou um professor, mesmo que eu seja o primeiro a negar

Dia 15 de outubro foi Dia dos Professores. Eu sou professor. Gostaria de poder dizer que não me importo com a data, gostaria mesmo, mas seria mentira. Ainda que não mais como antes, ainda sou cioso do meu trabalho. São quase onze anos dando aula. Começou como um acidente, virou uma paixão, uma dedicação, e hoje é uma canseira. Quase o mesmo processo de um casamento, enfim. Mas eu ainda preservo algo além de mero respeito pela profissão. Levo-a sério, e faço isso levando-a sempre ao extremo do escracho. Para alguma coisa um pateta que se posta à frente de um grupo de pessoas tem que servir.
Nunca acreditei no papo do professor que “passa conhecimento”. Eu só passo aquilo do que quero me livrar, e acho que conhecimento, até tenho, só sabedoria é que não. Nunca terei nenhum dos dois o suficiente, e não vou me alongar na dissertação porque você já entendeu o que penso a respeito e eu não quero gastar clichês, ainda que sinceros.
Só que dessa vez o dia 15 passou meio batido. A namorada lembrou, dois ou três alunos lembraram, uns dois colegas de profissão também. E só. Tá certo que era um domingo, mas nem a escola que me emprega lembrou.
E eu já ando cansado desse trabalho, como eu disse. Muito cansado. Principalmente de lecionar inglês. Talvez se eu mudar de matéria (já lecionei disciplinas óbvias e também umas menos suspeitas em diferentes tipos de cursos), eu encontre o estímulo que vive me escapando hoje em dia. É que antes havia uma troca entre eu e os alunos. Eu me sentia alimentado por aquela molecada (ainda que tenha trabalhado mais com adultos ao longo da carreira) cheia de vontade de botar pra fuder com alguma coisa que eles não sabiam bem o que era. Aquela moçada dentro do espírito perfeitamente descrito pelo André Forastieri em sua resenha do “Rocket To Rússia” para a Discografia Básica da velha Bizz. Aquele espírito “púbere-que-se-foda”.
Só que esse espírito anda sumido. O processo de mediocrização social e cultural hoje começa cedo, e o que temos são mini-zumbis consumistas repetindo padrões, opiniões e status televisivos, enquanto seus pais medíocres os encorajam e aplaudem, ou suportam com falsamente pesada resignação. E quando chega a adolescência, temos esses monstrinhos que pensam que Charlie Brown Jr. prega a rebeldia, que Racionais MCs são mensageiros da paz e que Jota Quest lida com emoções. Pequenos monstrinhos que acham que rebeldia está em piercings e outros adereços que todos usam, que a roupa determina o caráter e que as posses dizem mais que qualquer outra coisa. Gente que chama “atitude” mandar os pais tomar no cu. Gente que acha o D2 um “contestador”. Gente que se exibe como carne pendurada em açougue nos orkuts, myspaces e fotologs da vida, mas não notou que as moscas já estão pousando em sua carne precocemente apodrecida, conservada jovem graças ao seu obsessivo culto ao corpo.
Essa “galerinha” me roubou o tesão de dar aula, o prazer de “compartilhar” até mesmo pequenas bobeiras. Em dias mais propensos ao drama, me roubou até a vontade de envelhecer dignamente, antevendo o mar de lama fashion que isso aqui vai se tornar quando eles adultescerem.
E aí deu que hoje eu parei com uma turma na qual conservo um pouco de esperança e fui ler uns trechos do Atire no Dramaturgo, livro novo do Mário Bortolotto, para eles. Já falara disso na aula anterior e eles hoje – surpresa! – me cobraram a respeito. Eu sei, dou aulas de inglês e o livro é em glorioso português bebum, mas – pórra! – eu tenho que fazer algo mais para merecer o ar que eu respiro do que somente explicar pontos gramaticais relativos e empurrar vocabulário descontextualizado.
Li para eles “Onze Anos Não Voltam Jamais” e “Quem Não Enquadra, Sai de Cena”, dois textos dos quais gosto muito e pelos quais sinto uma identificação fodida, pelo sentimento de perda que se sente ao ver essa garotada jogando a adolescência mo lixo, vivendo algumas coisas precocemente, outras pela metade e várias na mediocridade.
Pois é, apesar de um ou dois terem apagado de canto (até porque duas horas da tarde no calor infernal de Foz do Iguaçu é de matar habitante de savana), a maioria parou pra ouvir e pensar. Sim, putaqueopariumente surpreendente, pararam pra pensar! No meio de uma geração que “não reflete nem uma mecha de cabelo pintado”, como já disse o Pepe Escobar sobre a minha geração, a gurizada parou, ouviu, perguntou e... bem, melhor deixar o ufanismo professoral de lado. Vamos aos fatos.
Mal comecei a leitura, uma guria me perguntou sorrindo: “mas o cara escreve assim mesmo?” (se referindo aos “merdas”, “porras” e outros jabs verbais que aparecem nos textos). Sim, escreve, eu não to acrescentando nada. Peraí que tem mais. E tinha, e eu seguia lendo, e eles sabiam do que estava sendo dito. Vi um deles engolir em seco, dois talvez. Uma fã da Avril Lavigne tentou livrar a cara da “ídala”, citada de maneira curta e cruelmente desoladora, mas não negou a razão do texto. Não demorou para alguém perguntar qual era o preço do livro e onde comprar. Claro que eu informei tudo isso. Informei também o endereço do blog do Bortolotto e, numa prova de que ainda acho que sirvo pra alguma coisa (pra querer trocar idéias com quem tem uma cabeça cheia de tesçao pela vida e confusão, principalmente), dei esse endereço aqui. Não sou o Bortolotto, nem o Rubens K, nem Jack London ou mesmo o Luis Fernando Veríssimo. Mas dei esse meu endereço. Para manter os amigos por perto.
Sei lá se esse troço todo não vai repercutir de um jeito chato (para começar, a escola é particular, conservadora e cristã-pentecostal), mas não estou preocupado com isso. Só quero saber qual deles vai ler Mário Bortolotto primeiro. Qual deles vai achar o cara um bosta, um gênio ou um escritor que vale a pena ser lido. Pensar qual deles pode vir a ter um disco do Grant Lee Phillips ou um livro do London na sua coleção. Qual deles vai abandonar a caligrafia eme-esse-ênica e começar a por seus próprios medos, preconceitos, incertezas e delírios no papel (ou na tela do micro), Esperar pra ver isso e mais.
Dia 15 passou, porra. Mas eu me sinto mais que recompensado.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Como pode um texto como este não ter um comentário que seja? Identifiquei-me tanto, que o colocaria no mural da sala dos professores onde leciono. Eu também: cansaço, sentindo-me um poste de luz, em frente a futuros adultos. Outro dia, encontrei um ex-aluno, já na faculdade. Pior do que o adolescente-mala que ele foi é o meio-homem que virou. Arrogante e cínico. Lembro-me que o pai o aplaudia. Hoje, ainda deve fazer o mesmo, até o dia em que ele faça uma das merdas que se vêem todos os dias na TV. Abraços e obrigado pelo texto.

9:51 AM

 

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