Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Wednesday, August 01, 2007

Não vale a comoção

Uma aluna minha foi violentada. Estava indo para o ponto de ônibus no bairro do Porto Meira (perifa violenta de Foz, próxima à fronteira com a Argentina), tomar o coletivo que a levaria ao curso. Não eram nem 06h30 da manhã.
Ela já está de volta às aulas. Não tive a chance de vê-la ainda, mas soube que está agüentando a bronca de maneira surpreendente. Felizmente, ela não teve que ouvir uma das gurias que trabalha comigo comentando “ela é forte, ela agüenta”, num tom pra lá de condescendente. Reconheço que em certas horas não há muito o que dizer. A gente pode até se sentir na obrigação de abrir a boca, mas o melhor é não fazê-lo. Porque o tom de voz dessa minha colega de trabalho foi na base do “esse pessoal de periferia tá acostumada com esse tipo de coisa”.
É, maluco, tá mesmo. A galera da perifa tá acostumada. Eles só estão nesse mundo de passagem, né? Depois o reino dos Céus lhes abrirá as portas. Agora, se fosse uma garota de classe média gostosinha e aprumada, aluna de universitária pública e com um promissor futuro pela frente (mais ou menos como minha amiguinha do parágrafo acima), a coisa seria outra. O estupro não ganharia só um rodapé de página. Foz entraria numa passeata contra a violência, mais ou menos como Sampa na época do estupro e assassinato daquela bela adolescente em Embu. A revista VEJA ou similares publicaria capas indignadas clamando por ações imediatas. A sociedade “de bem” se mobilizaria, e as senhoras da Vila B (invejado condomínio fechado habitado exclusivamente por altos funcionários da Itaipu Binacional) organizariam eventos para arrecadar fundos para entidades de apoio.
Mas não. Foi só uma garota de 18 anos do Porto Meira, negra. Eles estão acostumados. Eles e o pessoal da Vila C, do Três Lagoas, do Porto Belo. Foz já registrou quase 200 homicídios esse ano, a maioria ocorrida nesses bairros aí. E o senso comum da classe média reprisando ad nauseum o bordão “morre quem tem que morrer”.
Claro. Pobre, quando não é ladrão, é safado. Ou coitado. Morrer faz parte da vida deles. Os ricos vão pro céu, ou entram gordos & bem alimentados em seus custosos caixões. Os pobres vão adubar a terra. É assim que eles se tornam “o sal da terra”, como diz a Bíblia.
Alguém poderia lembrar de uma série de coisas dessa minha aluna. Poderiam usar os recursos sensacionalistas e apelativos que a grande mídia usa quando algum jovem bem nascido é vítima de violência, para comover as pessoas. Poderiam lembrar as brincadeiras que o pessoal fazia com a sonolência dela em sala de aula, poderiam lembrar da sofreguidão com a qual ela comia o pão de soja servido à guisa de lanche, poderiam recordar-se dela se esquivando habilmente dos comentários preconceituosos dos universiotários que dividem o mesmo espaço educacional que ela. Caramba, poderiam até usar a imagem dela feliz, abrindo um sorriso largo e franco, fantasiada de noiva para a festa junina da sala!
Mas ela é só uma menina do Porto Meira. Ela agüenta.

1 Comments:

Blogger Túlio said...

O brasileiro é um ser passivo e sem memória. É de se indignar que haja campanhas midiáticas chamando a atenção para que as pessoas se indignem. Tá tudo uma merda, mas nós somos "brasileiros", "alegres" e "não podemos mudar isso".

6:58 AM

 

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