Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Monday, April 30, 2007

El libro, la carne y la alma

Algumas pessoas que lêem esse blog e não conhecem minha relação com a música podem estranhar minhas constantes menções ao La Carne. Aos que estão cientes de tal relação pode ocorrer uma impressão pior: que escrevo sobre os caras devido a uma suposta “brodagem” entre nós. Mas para todos os efeitos, declaro que me considero imune a esse tipo de coisa, ou pelo menos, bem resistente: já tive a oportunidade de integrar diversas “panelinhas” (a maior parte delas mais rentável e glamourusa que a do tal “jornalismo cultural”) e sobrevivi a todas. Essas escolhas refletem o tipo de vida que levo hoje, e sem ironia alguma, confesso que agradeço a Deus por isso quase todos os dias.
Bem, o La Carne, né? A primeira vez que li o livro do Boi sobre os caras foi uma leitura superficial, motivada pela urgência (estava no trabalho) e pela curiosidade em conhecer o resultado final da grande reportagem que o apaixonado Fernando levara meses fazendo. Agora, com a paciente conivência da namorada (que entendeu eu passar o fim de um lindo domingo de sol em frente ao micro), li o livro com a devida calma que ele pede, mas ainda com um sentimento de urgência. As linhas se sucediam e se seguiam, e eu não conseguia acreditar que estava chegando o fim da obra. Eu queria mais! Aí eu me dei conta que “ler mais”, no caso do La Carne, é ler o que os caras fazem no dia-a-dia. Porque – sim, conheço pessoalmente os Quatro Cavaleiros do Dia-a-Dia, ainda que não tenha recebido nenhum deles em minha casa, nem tenhamos trocado fotos de família em almoços de domingo – muito do que o La Carne é uma extensão de sua música. Ou sua música, uma extensão de sua vida. Mais ou menos como OAEOZ e o Folhetim Urbano, duas bandas das quais gosto muito e cujos integrantes respeito demais. Mas – sem entrar no mérito de comparações – o que acontece a partir da audição do quarteto de Osasco (principalmente em shows, ou com seu primeiro disco) transcende lugares-comuns e acaba servindo de inspiração para a vida. Não como uma coisa de “ídolo”, que isso é para os fãs da Madonna, do Lobão ou do Lucio Ribeiro.Nem coisa de “mestre”, porque Linari, jorge, Carlinho e Sidney não estão aí pra ser gurus de ninguém. A coisa toda traduz-se em admiração e respeito, essas coisas tão cafonas e tão necessárias.
Tem a ver com o fato de você estar dividindo o espaço exíguo de uma van numa estrada esburacada e ver os caras te acolhendo lá e mantendo o bom humor, mesmo quando você despenca de sono quase caindo no ombro do guitarrista. Tem a ver com o fato de você ver um show dos caras estando completamente sóbrio (por causa da cerveja cara), duro e cansado, às 04h da manhã, e testemunhar uma banda soergunedo-se em força, fúria e beleza sombria superior à cena de estupro do Laranja Mecânica que rolava inesperadamente no telão. Tem a ver com você viajar 10 horas de ônibus para encarar um festival onde os caras estariam, incerto de seu trampo e de suas condições pessoais, e ter sua alma completamente lavada num chão imundo de cerveja enquanto eles executam uma música incompreensivelmente perturbadora e necessária.
Às vezes eu adoto uma postura preconceituosa e desdenhosa contra os “entendidos” de música, sejam eles músicos, jornalistas ou ouvintes, que não vêem graça no La Carne. É por uma falha de meu caráter, é por um pouco do meu sarcasmo, é por uma maldade justificada. É porque o La Carne – com sua música e sua empatia sem empáfia (Senhor, quantos fiéis não dariam a ALMA para consegui-lo!) – mexe lá no fundo das entranhas. E se a alma é só um mecanismo de atividade cerebral, como diz o Kundera, então é lá no cérebro que eles cutucam. Eles parecem ter – e conseguem transmitir em suas palavras e notas e acordes – aquilo que meu brother Diego Fernandes chamou de “coceira na alma”. Pega fundo. Piadinhas infames à parte, por favor.
E por isso, toda a besteirada de “underground do underground”, shows com público piolhento bem-cheiroso e sem pau (ou sem alma) no Jive, “profissionalização” e empresários, e outras tantas histórias relatadas no livro, só reforçam que a mediocridade pode reinar, mas realça ainda mais o brilho do que não é gênio, mas faz o sangue e o coração todo pulsarem para fora do corpo.
Boi, um relato demasiado emocionante do La Carne, um relato preciso, forte, com bem menos hipérboles que a primeira leitura me pareceu sugerir. Fico honrado de ter participado e igualmente honrado com a contextualização que me desloca do meio comum. Mas não é sobre mim que escrevo, nem sobre mim que falo. É sobre o La Carne. Ler sobre eles é um prazer. Escrever sobre eles é uma necessidade.

1 Comments:

Blogger fernando lalli said...

Escrever sobre eles é uma necessidade. [2]

Vou reeditar o livro ainda este mês [espero] e uma cópia desembarcará por aí, Leo. Fiquei devendo a sua cópia nas primeiras prensagens. Manda seu endereço atual no meu e-mail, quando puder, por favor.

Grande abraço!

9:15 PM

 

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