Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Wednesday, May 23, 2007

The laws don't work

Toda vez que vou ao Paraguai tenho que cumprir o “ritual de transformação malaco”: barba por fazer, calça velha e furada, camisa manchada, gorrinho, andar de maloquer e cara de poucos amigos. Não é fazer tipo, é só para garantir a segurança na Ponte da Amizade – que definitivamente não faz jus ao nome. Ciudad del Este (doravante CDE) em si não é perigosa, se você sabe onde andar e sabe não dar na vista que é um forasteiro desorientado. O problema está na travessia da Ponte e nuns trechos da Vila Portes, bairro que antecede a fronteira com o Paraguai no lado esquerdo da BR-277, ainda que não sejam mais perigosos que o Largo São Bento ou a Praça da República, por exemplo. Quem atravessa a 25 de março em época de Natal ou Dia das Mães deve achar CDE um paraíso.
Mas enfim, por precaução aprendida com amigos mais experimentados (Marcelo Costa entre eles, um mestre na arte de caminhar pela madrugada numa boa) e pela experiência pessoal, mantenho o ritual, que nunca me trouxe problemas, a não ser pelo dia em que me ofereceram “farinha e arma, baratinho” no cruzamento do Shopping Mona Lisa com a avenida de entrada. Eu tava largadaço em busca de uns presentes e passo por um paraguaio entregando panfletinhos de uma loja de eletroeletrônicos. Quando ele me vê, me puxa pelo braço e diz que tem “coisa boa” e que “não é cilada, pode ficar tranqüilo”. Foi a única vez que o disfarce de “mano tranqueira” me rendeu uma situação mais incomum. E na hora de passar pela aduana, uma mudança estratégica: desde que aprovaram as leis mais rígidas de fiscalização e controle, comecei a caminhar com aquela cara de “ahn? É comigo?” e consigo atravessar sem ser fiscalizado ou cadastrado. Ou conseguia, até ontem.
Aproveitando uma brecha na inconstância laboral desses dias e a promoção de passagem aérea por R$ 50,00 da Gol, decidi dar um pulo em São Paulo visitar família e amigos e, como fosse contar com a ajudinha paterna para parcelar o vôo, nada mais justo que cruzar a fronteira para levar umas lembranças. Compro um porta-temperos para a mãe e não acho o vinho que queria para as irmãs, mas me dou por satisfeito e, na aduana, me param para “cadastro e fiscalização”, como mandam as novas normas da Receita Federal. Por um artefato plástico de R$ 13,00, perco direito à minha cota mensal de US$ 300,00 em compras. É isso que você leu. Cada brasileiro tem direito a gastar apenas 300 dólares por mês no país vizinho – mas deve gastar toda essa cota num dia só! Se não o fizer, azar dele. E por causa disso, perdi o direito a gastar os outros US$ 293,50 que teria direito.
Não que eu estivesse disposto, ou mesmo capacitado, a desembolsar essa quantia nos próximos trinta dias. Mas para mim Ciudad Del Este não representa um paraíso de eletroeletrônicos, um oceano de artigos piratas ou tráfico, é somente um lugar onde posso comprar comida e produtos para a casa por um preço cerca de 30% mais barato que no Brasil, às vezes até mais. De iogurte à amaciante de roupas, dá para fazer uma mega-compra, com direito a vinho importado, e não gastar nem R$ 80,00. É, oitenta pilas para viver quase como um nababo. E esse mês não poderei fazer isso por causa dessa norma.
Agora veja: eu não sou contra fiscalização ou controle aduaneiro. Mas penso que duas coisas deveriam ficar bem definidas:

1) O Mercosul é um “acordo de livre comércio” ou uma brincadeira de índios latinos que querem brincar de europeus ricos?

2) Enquanto eu entrava com minha dispendiosa mercadoria, cuja compra em território estrangeiro pode desestabilizar a indústria e a economia nacional, um monte de brasileiros e paraguaios passavam misteriosos caixotes envolvidos em plástico preto através de cordas presas à ponte, com direito a alguns malucos descendo de rapel para garantir a integridade da mercadoria ao seu destino final. Tudo isso aos olhos da Polícia Federal brasileira, mais preocupada em tomar café e fingir que orienta o trânsito (quem conhece a área sabe que o tráfego ali está longe de ser caótico – precisaria melhorar muito para chegar a tanto), e aos olhos do Exército Paraguaio, cujos soldados permaneciam recostados às grades da Ponte, confortavelmente entretidos por seus iPods de última geração. Longe de mim querer tirar o emprego de sacoleiros, muambeiros e traficantes, mas... por que eles podem e eu não?

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Gostei do detalhe do rapel. :/

5:16 PM

 

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