Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Friday, June 08, 2007

Os Fugitivos



Filme que começa como uma homenagem ao cinema noir e se desenvolve em clima absolutamente tenso e seco, deixando um impacto que persiste por horas, ou mesmo dias, além de seu final.
O filme usa a história (verídica) da dupla de policiais cinquentões Buster e Charlie que investigou os crimes do casal Ray Fernandez e Martha Beck, conhecidos como “Lonely Heart Killers”. Desde a primeira cena sabemos que eles serão presos e executados, o que torna o filme angustiante – ou melhor, impactante (perdoem a repetição) – são os próprios personagens.
Fernandez e Beck eram do pior tipo de demônios, o tipo que não tem chifres e caudas pontiagudas, mas é feito de carne e osso e sente e pensa como os demais seres humanos. Na sua aparente normalidade e na intensidade doentia de suas paixões e seus ciúmes estavam “provas de amor” que desencadearam crimes cada vez mais mal-elaborados e violentos, deixando uma trilha de mortes e de vidas destroçadas. O que incomoda em Ray e Martha é a crueldade sem rodeios, a maldade que nasce de suas próprias paixões e volúpias, sejam imediatas ou de longo prazo. Antes mesmo de começar a seqüência de assassinatos descuidados que os levou à cadeira elétrica, já estamos tomados pela repulsa de sua manipulação de emoções e de necessidades emocionais de pessoas reconhecidamente frágeis. Eles sabem que manipulam as esperanças alheias para depois arruinar-lhes a vida – e não se importam nem um pouco, contato que sua estabilidade não seja abalada.
Caracterizados pelas ótimas atuações de Jared Leto (o junkie iludido de Réquiem para Um sonho) e de Salma hayek (sombria como nunca), Ray e Martha são mostrados sem piedade ou condenação, mas mesmo assim você não consegue impedir a revirada no estômago quando os vê juntos – porque eles sabem o quão frágil ou o quão filho-da-puta alguém pode ser – e não estão nem aí. John Travolta e James Gandolfini, como os policiais que os perseguiram, também vão além do clichê de “policiais solitários e durões” que o gênero costuma trazer. O Buster de Travolta é duro, é verdade, tão duro que ainda não conseguiu lidar com o suicídio da esposa, que pôs uma bala a atravessar-lhe o crânio em pleno aniversário de casamento. E essa dureza não faz dele um herói. Na verdade, nem a captura dos facínoras faz dele ou de seu amigo Charlie heróis – eles conseguem ver que há algo mais além da lei, algo no funcionamento do mundo – ou na própria natureza humana, talvez – que não está certo, e que não vai mudar nem com o trabalho de todos os policiais bem-intencionados do mundo. Há muita solidão entre os homens de bem, muito companheirismo entre os assassinos e vítimas, e nem mesmo os homens de bem são santos nem os assassinos não amam. Nada vai se resolver com uma investigação policial, mas os dois tiras sabem que alguma coisa tem que ser feita, assim como Ray sabe que seus sonhos ficaram para trás no dia em que escolheu dividi-los – e a espiral de vilania para onde se arrastou lhe permite antever que o fim está próximo e que a esperança – aquela mesma que ele destruía sem remorso – lhe faz uma falta imensa quando arrancada dele à força.
É difícil falar mais do filme sem entregar as sensações que são cruciais para fazer desta obra o que ela é. Mas essa pérola, escrita e dirigida pelo desconhecido Todd Robinson, estava perdida na locadora e foi trazida para minha casa num golpe de sorte e intuição da minha namorada. As informações da caixa do DVD não ajudam em nada, e o nome de Travolta sempre nos deixa com um pé atrás. Mas não espere um desconhecido lhe indicar esse filme na locadora – vá atrás mas não assista antes da hora de dormir. O sono pode vir difícil.

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