Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Monday, August 13, 2007

Dose Radical

Temos uma diarista que faz limpeza semanal em casa, às quintas-feiras. Evangélica, a Cleusa sempre deixa o rádio sintonizado numa estação gospel trinacional (Paraguai/Brasil/Argentina). Nas primeiras vezes, quando eu chegava em casa na hora do almoço, não conseguia distinguir se a voz feminina que saía pelas caixas estava falando de Deus ou estava possuída pelo Tinhoso, dado o volume ensurdecedor e a rapidez fanático-débil mental com a qual ela cuspia as palavras, enroladas de língua inclusas. Só percebi que não era possessão quando distingui os incontáveis erros de português – o Diabo, como se sabe, é letrado e prima pela sofisticação, se formos levar em conta a Bíblia, a literatura de terror antiga e os filmes de Hollywood.
Mas esse não é o ponto principal. O mais legal de tudo está no programa Dose Radical, dedicado ao público jovem. Uma voz “animadíssima” anuncia o programa “para você, jovem, que curte a vida radical no Senhor”. Ou algo assim. As músicas que embalam o programa envolvem todos os estilos: hip-hop. R&b, hardcore, metal de arena, indie pop (sério!), rap de vozes e bases graves, charm, axé, gauchesco, lambaeróbicos, tecno-dance de FM padrão, gauchesco, etc. Todos com letras que condenam “a vida do mundo” e glorificam o “Christian way of life”, é claro. O assim chamado gospel, tal como se entende hoje em dia.
Porém – e sempre há pelo menos um porém nesses casos – por que eles condenam tanto a vida mundana e se valem dos mesmíssimos recursos desta para atrair novas ovelhas para o rebanho? Por que aquilo que é digno de ojeriza se torna imediatamente santo só por ter as palavras “Senhor”, “Cristo” e “Espírito Santo” no meio?
Dia desses, flagrei um aluno meu com um livro chamado Fala sério: é um crime ser diferente? (acho que era isso), cujo autor era um missionário da Canção Nova chamado Diego Fernandes – ironicamente, homônimo do criador do muito mundo e divertido Gordurama. O livro versava sobre o direito dos jovens de não participarem da sociedade de consumo. De não serem levados pela propaganda e pelo senso comum. Até aí, estava bacana, bem-ponderado e etc. Havia até um ponto de vista interessante, onde se falava do sexo caindo no vazio por ser adotado como meio de salvação individual – é bem provável que vários de nós já tenham vivido só para trepar e, convenhamos, acaba resultando num puta tédio interior, ainda que a paudurescência desobstrua as veias e faça bem para a saúde. Enfim, o livro tinha o que você esperaria de um livro escrito por um “missionário”. Mas depois entrava na elegia ao sexo pós-marital como um atalho para o paraíso ou até mesmo uma maneira de “comungar do amor de Deus a dois”.
Peraí, essa parte eu não entendi muito bem. Os laços do matrimônio transformam o sexo em benesse, sem esses laços é sujo, feio, garante o inferno e pode dar câimbra? Deus vai estar presente para um ménage a trois na hora do fincâo? Descartando essa última hipótese, bizarra demais até para mim, ficamos com a primeira, cuja retórica é igualzinha ao papo da rádio: faça-se o que bem entender, contanto que haja uma benção divina antes. Deus aprovou, tá valendo. Senão, caos e danação.
Quando eu chamava os religiosos de “burocratas de Deus”, não esperava que eles fossem chegar a esse ponto. Dessa forma, eles dão a Deus a autoridade que os generais das ditaduras militares queriam dar a si próprios: o direito de interferir na intimidade do cidadão. Não entra na minha cabeça como que as coisas ditas mundanas (e existe outro mundo além desse?) podem ser tão sujas, mas se tornam miraculosamente boas (e prazerosas, conforme palavras deles próprios) graças à permissão divina.
Creio que a responsabilidade dos atos de cada um está em si, e não numa entidade superior – aliás, como esse povo gosta de culpar Deus e o Diabo por tudo, né? E nem vamos entrar no mérito da mentira que é a promessa de prazer eterno e transcendental no sexo após o casamento, nem nas muito prováveis frustrações que virão de tal falácia. Só queria ir a uma das festas (ou melhor, baladas!) que o Dose Radical promove e ver como a “juventude cristã” dança. Como alguns de meus alunos “cristãos” são fascistas de marca maior, imbuídos de um consumismo de envergonhar o casal Barbie e Ken, a putaria deve ser melhor que baile de Carnaval da Ilha Porchat!

2 Comments:

Blogger André said...

melhor post do ano desde já!

10:32 AM

 
Blogger Carlos said...

eu queria saber que radio é essa que vc fla?

3:45 PM

 

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