Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Wednesday, October 10, 2007

Sobre o cinismo

E se Romeu e Julieta não tivessem se suicidado e pudessem ficar juntos? Felizes para sempre... ou não? Se eles tivessem fugido e largado sua Veneza, como que a adolescente Julieta, protegida toda a vida dentro de seu feudo, teria reagido À vida estradeira daqueles tempos não-motorizados e cheios de riscos eminentes? Como Romeu, impulsivo a ponto de abandonar uma paixão pela qual jurara amor eterno num dia e propor casamento a uma outra guria no dia seguinte, reagiria frente às tentações de mulheres mais experimentadas, mais sedutoras, mais cruéis? O sustento do dia-a-dia tendo que ser providos por eles, jovens desocupados de uma nação rica que nunca tiveram mais o que fazer a não ser brigar com famílias rivais, sonhar em seus quartos e se drogar ocasionalmente – isso não desgastaria suas juras cândidas, revelando-as inconsistentes?
Já se disse que o cara que criou o chavão “... e viveram felizes para sempre” nunca foi casado. É uma assertiva divertida e bastante pertinente, mas não deixa de ser cínica. E o cinismo me parece o refúgio mais acessível para aqueles que não conseguiram sustentar suas crenças juvenis. Difícil é rever seus valores e estabelecer novos sonhos, novas metas adequadas à realidade e a tua condição de não-salvador benemérito do mundo, mas sem escorregar na depreciação das próprias conquistas nem ceder ao corporativismo das relações profissionais e pessoais.
Nós temos uma cultura “artística” que glorifica a fuga como meio de solução dos problemas, mas os filmes nunca mostram o jovem ousado e sonhador se estabelecendo na cidade para a qual fugiu, tendo que experimentar na carne o resultado da sua decisão. Eles mostram os amantes acelerando em direção ao sol, mas não exibem suas patéticas brigas por uma panela suja entulhando a pia, ou o ciúme inconsistente por um(a) colega de trabalho, ou o tédio de uma semana atarefada de trabalho e vazia de contatos. Eles mostram o pai se redimindo de uma cagada e buscando se aproximar dos filhos, mas não nos deixam saber quanto ressentimento ficou guardado no coração das crianças.
Dary Jr. escreveu uma de suas melhores letras para a canção “Chance”, na qual canta que “a vontade de fugir é sempre medo de ficar”. Não que ninguém precise ficar se auto-imolando na frustração a vida inteira, mas, se a sala está empoeirada, não adianta varrer a sujeira pra debaixo do tapete. Tem que tirar o pó, recolher com a pá e despejar no lixo, e só aí dar o serviço por terminado. Tem que jogar o jogo até o último gol, porque se você sai antes, sempre vai ficar com o maldito “e se...” atormentando tua cabeça. Fora o derrotismo, que certamente vai se sobrepor a qualquer outro sentimento.
O cinismo está aí; são cínicos esses nossos dias, e por muito o serão. Mas ainda acho que vale a pena arrumar a casa antes de sair. A fuga não resolve nada, porque o rastro de merda te acompanha pelo trajeto. Já que há um milhão de coisas nessa vida que nunca conseguiremos fazer, creio que compensa fazer bem feito as poucas que conseguimos.

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1 Comments:

Blogger Túlio said...

Leo, odeio essa puxação de saco em comentários de blog, mas esses últimos textos estão foda.

8:58 AM

 

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