Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Thursday, November 23, 2006

São os dias engolindo as idéias (agora completo)

O quanto uma banda te impressiona ou influencia? O quanto uma canção é mais que uma seqüência de acordes e versos que passam pelos ouvidos e cérebro? O quanto, afinal, a música é importante para cada um?
Essa pergunta fica mais difícil de responder a cada dia, já que cada vez mais ela deixa de ser uma companheira de vida para ser um objeto decorativo acumulado em megabytes e CD-Rs, e as novas gerações vão elegendo Armandinho com trilha de fundo para suas paixões de viés de imitação televisiva. Mesmo a “minha” geração (esse pessoal de 27, 28 anos, dos quais eu não me sinto exatamente próximo) não tem essa relação com a música. Minha namorada, uma pessoa de sensibilidade ímpar, não tem isso. Outros tantos colegas também não. Mas só quem acorda precisando ouvir aquela canção sabe o que a música pode vir a ser. Não “a coisa mais importante dentre as menos importantes”, como diz um certo comentarista bisonho de futebol a respeito do esporte bretão. Nada tão tolo e rasteiro assim. Definições por definições, fico com Frank Zappa e seu “music is THE BEST!”.
Agora, se para nós, “meros” ouvintes a coisa é assim, e para quem faz a música? O que é para alguém saber que, em algum lugar, alguém está pautando uma decisão baseada naquilo que aquela canção lhe trouxe? Ou mesmo saber que as emoções, sonhos e outras coisas se desenham no imaginário e no coração de quem está ouvindo algo que você compôs e gravou junto com amigos ou até desafetos?
Cá estava eu pensando nisso a respeito do Folhetim Urbano. A banda é formada por três caras com quem eu trombei durante o Rock de Inverno VI em Curitiba: os irmãos Carlos e Renato Zubek, mais o batera Marcelo “Bora Lá” Chytchy. Todos muito camaradas e gente fina. Lá pelas tantas, o Carlão tinha me mostrado a demo de “Guerrilha”, que eles tinham gravado com o Linari (La Carne) mandando ver no vocal junto com o Carlão. Embora o som em que ele estava me mostrando aquele registro cru deixasse a música ainda mais embolada, a coisa toda me chamou atenção. Groove fortíssimo com as doses certas de peso e malandragem. Tempos depois, eles disponibilizariam essa faixa, ainda sob a nomenclatura Sabadá, no Trama Virtual. Baixei, ouvi e deixei pra lá, como acabei fazendo com quase toda música digital que gravei nos tempos em que tinha internet banda larga em casa.
Passaram-se uns meses e minha namorada pôs um gravador de CD no micro dela, e lá fui eu fuçar nos arquivos digitais que eu trouxera da outra casa. "Guerrilha" tava no meio e foi integrar uma das coletâneas "C.C." ("cem centido" (sic), de acordo com o senso de humor concretista-escatológico do meu irmão) que eu faço, junto com "Ódio Platônico", da Beijo AA Força e outras. Mas foram essas duas que dominaram o leitor do meu player e meus ouvidos, e foi a tal "Guerrilha", com seu groove sanguinolento e sua letra sarcástica, que me fizeram baixar Cativeiro na primeira oportunidade que tive.

... E estou eu um domingo na casa da mesma namorada, deixando algumas músicas tocarem enquanto outras coisas se desenrolavam, e vem um arranjo simples e envolventemente belo me seduzir os sentidos, enquanto uma voz grave mas nada imposta murmurava: "são os dias engolindo as idéias / tempestade que não passa mais / ontem eu vi alguém que se ama / isso é raro e já não me toca mais". Aquilo pegou. Pegou como "Jukebox", do La Carne, pega - ou seja, é uma apertada firme e impiedosa no âmago, uma coisa que tortura aquele farrapo bem remendado que chamamos de alma. E que, ainda assim, enternece.
Não demora muito, uns "ooh... oo-ooh" tal como um U2 rasgado vêm me chamar a atenção para uma explosão que gente bacana já definiu como ingênua: "não feche os olhos pra sonhar / não pare para descansar / a vida segue e procura o fim / sozinha". Talvez seja ingênua mesmo, mas o que os farrapos do parágrafo acima tentam esconder é a ingenuidade de quem, mesmo não sendo tocado pela visão de "alguém que se ama", ainda se permite ver o hoje com um tesão e até uma esperança que fazem com que a palavra "futuro" possa até deixar de ser figura de linguagem. Algo poderoso, involvidável, urgente, preciso. E emocionante e necessário.
Escrevo tudo isso porque volta e meia me pego lembrando daqueles dias em Curitiba, da empatia imediata com o Renatinho (que nem sei se me reconheceria se trombássemos hoje) e do clima de irmanamento que rolou entre ele, da minha alegria muda ao ver ele e a Juli juntos falando do bebê que viria (e já veio). Lembro do Rubão, Linari e "Bora Lá" contando tretas com a polícia e outras numa pizzaria não muito longe do 92º. Lembro do Rubão sideradaço comendo queijo de madrugada, carinhosamente preparado entre azeitonas e copos de Coca-Cola e cerveja pela Rosi. E no meio de todas essas lembranças (que sim, Ivan, valem alguma coisa), os sons do Rock de Inverno VI ecoando na minha mente. Do Terminal Guadalupe dedicando "Burocracia Romântica" para mim e dos moleques me acompanhando felizes no pogo. Do La Carne golfejando vida em "Desconhece o Rumo, Mas Se Vai" enquanto eu rolava pelo chão imundo de cerveja. Do Gruvox tocando uma sonzeira para uma casa vazia, dos mais sisudos curitibanos fazendo folia junto ao vocalista do Góticos 4 Fun, do respeito a uns rappeiros que estavam lá, até do show palha da Stela Campos. Lembro do que foram esses dias e do que as músicas em questão significaram.
A partir daí, penso em tantas coisas que estão equivocadas em minha vida, tanta coisa pela metade, tanta emoção carcomida pela rotina. Vejo que alguns sonhos insistem em remexer no fundo da pilha de farrapos para tentar definir à tal "alma" uma forma que não seja um cliché de classe média decadente nem de perifa comum. Penso e vejo tudo isso, e tem horas que isso me faz sentir dor. Só que nas horas de dor tem a música, que também esteve nas horas de alegria e êxtase como essas aqui citadas; a música, inabalável, inspiradora, cortante, libertadora, incômoda. A música que não abandona enquanto os dias ameaçam engolir em definitivo qualquer idéia.
E daí penso que, se fosse tomar outra cerveja hoje com o Renatinho, eu ia perguntar da Juli, ia pedir para conhecer o filho, ia querer saber um monte de coisas que nem sei se ele estaria disposto a contar. Mas iria contar todas essas coisas sobre o que o Folhetim Urbano me traz. Eu acho que ele iria ficar feliz, se sentir recompensado até. Não porque um amigo gostou da banda - como já disse, nos vimos apenas durante um festival (porém, tem amigos de estrada que valem mais que "amigos" que acompanham anos de vida). Mas porque o que eles suaram e sangraram para gravar cinco faixas chegou a um cara em Foz do Iguaçu, um cara que acaba de sair de um estado de letargia terminal e ameaça acordar de verdade. O mesmo cara que já chorou ouvindo "Jukebox", se surpreendeu ouvindo "Dizem", sonhou ao som de "As Cinco Horas da Jornada" e "Chance" e carregou a letra de "Cachorro Magro" quase como uma lápide em vida.
A música, para mim, é importante demais.

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

porra, como assim "continua depois". falaí!

8:10 AM

 
Blogger André said...

Olha, só te falo uma coisa: a melhor coisa que já falaram do mcquade, e um dos principais motivos de eu querer ter continuado com a banda, foi: "desci a serra da praia com 'casa vazia' tocando no cd do carro".

É o tipo de generosidade que nunca vai se conseguir tocando na outs.

1:53 AM

 
Anonymous Anonymous said...

é Leo, a sensação que produz ler um texto desse falando de uma música que você criou, é tão forte como a criação da própria música. Fundamental! Abraço Leo, e venha conhecer o JP (João Pedro) filho do Renatinho e da Juli, o moleque é gente fina, mais um sangue-bom no mundo!

11:50 AM

 
Anonymous Anonymous said...

porra cara, só um cara como você pra "salvar" um domingo de plantão no jornal. valeu mesmo. abraço

11:52 AM

 
Anonymous Anonymous said...

ô seu Léo, claro que estarei disposto a contar, é só cola de novo na curitiba perdida, que a gente vai dar bastante risadas com essa coisa toda.

4:05 AM

 

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