Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Wednesday, October 17, 2007

O que alguns dizem é isso

Eu poderia tentar escrever isso como se fosse um poema épico ou um texto cheio de frases de impacto e floreios ribombantes. Mas como já disse ao relatar o começo da minha viagem à Curitiba, isso não é uma epopéia. Vivemos uma época onde a importância de tudo tem que ser superdimensionada, pois nada mais parece manter sua importância. Daí as hipérboles, os hypes, os excessos, a “emoção” em legendas de fotos do orkut. Tudo precisa marcar e gravar como um efeito de luz, emoção rápida para desfrute imediato, e muitas mentiras para convencer o próprio protagonista que tudo foi ainda melhor que ele se lembra.

Ah, não, o que aconteceu naquela madrugada de 12 de outubro foi um show. Nem um show de rock foi, pois OAEOZ não é uma banda de rock, felizmente. Pois se fosse, não teria sido possível ficar ali, olhando, percebendo, sentindo. Já a partir da apresentação do Gian Ruffato dava pra ver que seria diferente do que muitos podem entender por “show”.

Ora, “show” é um espetáculo, não é? Uma demonstração ferrenha e algo imposta de energia, técnica, recursos cênicos, exibicionismo (por que alguém sobe num palco senão para ser visto/ouvido/apreciado?). Show não tem nada a ver com um garoto desajeitado, de voz lindamente frágil, lavando canções cuja sinceridade poucas almas conseguem resumir, menos bocas ainda conseguem verbalizar. Quem, hoje em dia, consegue fazer uma canção chamada “Reza”, cujo primeiro verso é “hey, Deus!” e se que se encerra com a súplica “por favor, deixe-me descer / na mesma estação / que ela escolher?” Pensando bem, quando foi que você viu alguém fazendo isso?

Já não era mais dia 11 quando OAEOZ subiu no palco. A banda que comemorava dez anos e que chamou Curitiba pra festa, mas Curitiba preferiu dormir. Tudo bem, afinal, “a cidade dorme para eles tocarem”. Muito justo. E nessa Curitiba onde só os personagens de Dalton Trevisan brigam contra o sono, umas quarenta ou cinqüenta pessoas saíram de suas casas para ver eles tocarem “suas” músicas, e vamos aqui acertar a colocação pronominal: “sua”, nesse caso, se refere à canção de cada um dos presentes, o homem triste e cheio de esperança que saiu de casa para ouvir “Meia-Volta”, ou a garota que chorou sozinha escutando “Luz e Sombra”, ou o casal em viagem que não parou de sorrir enquanto “Às Vezes, Céu” tocava no carro. E veja que eu escolhi apenas canções que NÃO foram tocadas, porque sei que aqueles que ouvem OAEOZ incorporam a banda à sua história pessoal.

E assim passaram três canções que me eram desconhecidas (“De inverno”, “Talvez”, “Contato”) até que chegasse a primeira que faz parte da minha história, “Me apaixonei por uma burguesa”, dos meus dias inúteis em Foz perseguindo garotas que me perseguiriam depois, dos meus dias me Taubaté colhendo a ingenuidade de sair com garotas que esperam que você tenha um cartão de crédito possante e um carro veloz, ou o contrário, ou o que for, porque o que elas querem é pose. Tempos distantes, que me trazem risos se ouvidos com a trilha sonora certa.
Agora veja que isso não quer dizer que as três primeiras passaram despercebidas. Minha namorada sentada atrás de mim, querendo aproveitar cada nota do que para ela era o primeiro contato efetivo com um mundo que eu lhe trouxera só em imagens borradas antes. E a essas tantas, Igor Ribeiro de volta aos palcos, segurando sua guitarra de maneira desajeitada, como se o talento que ele tem não fosse para ele, como se ele não se sentisse à vontade com aquilo. Nesse aspecto, ele se parecia com o Gian, brigando para se acertar com seu instrumento e com seu talento que permite que pessoas reescrevam suas histórias a partir de suas canções. Tenho a firme certeza que o Igor ainda não percebeu isso, vendo-o tocar, é impossível não sacar isso. Porque tenho certeza que ele não viu eu e minha namorada cruzando nossos olhares na hora que ele pegou seu trumpete, e largou aquele som que enche nossa casa desde antes de sermos um casal, o som que invadiu o carro dela na primeira vez que estivemos juntos.

Quantos mais dos que estavam ali não tinham pedaços d’OAEOZ em suas vidas, e vice-versa? Veio “Monumentos sem cabeça”, e ao meu lado Reanto Zubek parecia não se importar em estar quase engolindo as próprias orelhas com sua satisfação, enquanto o palco estampava um sorriso beatífico no rosto do Ivan.

Mas você acha que eu conjecturava tudo isso enquanto assistia ao “evento”? Era a banda que me ensinou que “só tenho um dia pela frente” e “isso é o que importa” Então o melhor que eu poderia fazer, a única coisa moralmente digna a se fazer, era deitar no chão e aproveitar aquele momento, vendo minha fotografia borrada em “Dizem”, ou em pé, quase extasiado, na contida versão de “3h30”, incluída no repertório graças a um pedido feito via Embratel quase um mês antes.

Pois é, quase um mês antes, o universo conspirava a favor desse show. Seria algo muito egoísta de minha parte dizer que foi a meu favor exclusivamente. Claro, seria ótimo se mais pessoas compartilhassem daquele momento, se a casa estivesse cheia, se a emoção de “Dias Tortos” pudessem pousar em corações que nunca a ouviram. Mas o tempo já está me deixando entender que as pessoas não querem essa emoção que dói ao ser exposta, preferem aquela que podem expressar com duas palavras fala direto às suas terminações nervosas, não às emocionais. Que uma banda que faz uma canção sobre sua própria amizade e persistência (“Canção para OAEOZ”), sobre a importância que a música tem para eles, uma banda assim não interessa. Uma banda que faz música para ser ouvida, não para ser pano de fundo de escritórios tediosos, cafés-da-manhã de hotel ou mesmo PCs de quem acumula arquivos mas descarta a música, de quem busca paixões mas não consegue cultivar amores e lidar com frustrações. Porque é disso que se trata OAEOZ, e foi isso que tivemos, todos nós, aquela noite.

Noite que terminou atipicamente, nada épica, com amigos e esposas dos integrantes fazendo vocais inaudíveis (microfones desligados?) em “Lembranças (Não Valem Nada)”. Tudo bem, nossos corações se fizeram ouvir.

E tudo terminou com todos eles prostrados, desgastados, sem condições de “pôr um pijama e ir dormir”, como brincava Pete Townshend. Terminou? Bom, os shows (se esse é o nome) terminam. As bandas também. A música e a poesia, não.

Nem a amizade, de quem estava no palco e fora dele.

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6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

porra leo. eu sabia que daí vinha bomba, mas pôxa, não tava preparado pra tanto. vai escrever assim sei lá aonde. muito foda. não é qualquer banda que tem o privilégio de ter um cara como você, com essa sensibilidade e talento para expressá-la em palavras, pra escrever sobre o nosso trabalho. como diz o Linari, você é o nosso Lester Bangs de estimação. não sei nem mais o que dizer, então fico no obrigado, valeu mesmo por enquanto. abraço.

9:42 AM

 
Anonymous Anonymous said...

"um brinde ao destino"... que te trouxe pra perto. abraço, maluco.

9:48 AM

 
Anonymous Anonymous said...

Pequena confissão: eu andaria 600km de carro apenas para ouvir OAEOZ tocando "Dias". Quem sabe, um dia, eu dê essa sorte.

Abração, Léo!

9:32 PM

 
Anonymous Anonymous said...

cara voce precisa vir mais vezes pra cá pra tomarmos umas e levarmos uns papos malucos, valeu a presença mermao. grande abraço

3:55 PM

 
Anonymous Anonymous said...

uasuausuauauhauahuahua . essa foi boa boi. ce tem que falar isso pro Igor, que não quis tocar Dias. abs

11:30 AM

 
Blogger Unknown said...

o igor nunca quer tocar a música que todos querem ouvir... ele é um cara meio estranho...

10:10 PM

 

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