Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Wednesday, October 10, 2007

Tropa de Elite

Assisti Tropa de Elite. Contrariando meus princípios*, comprei o piratinha de R$ 3,00 e cedi à curiosidade motivada pelo comentário geral. É difícil dizer algo sobre o filme que já não tenha sido dito, seja esse “algo” pertinente ou não, mas o filme realmente te deixa com vontade de falar. Porque ele envolve uma série de coisas que são partes inescapáveis da realidade brasileira.
Muito se comenta sobre a violência do filme, pouco se fala sobre os esquemas que sustentam um sistema viciado e ineficiente, e que o filme mostra com propriedade e clareza. Pouco se fala, também, da conivência social por parte das classes altas, que “em tese” repudia a repressão policial, mas pede medidas extremas quando se vê vítima da violência.
Isso me traz à memória uma entrevista que o Laerte deu à Caros Amigos, na qual ele comentava uma série de tiras que ele estava fazendo sobre o desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente: “então, estou fazendo essas tiras, mas entendo que alguém que teve um parente assassinado por um criminoso menor de idade não vai achar graça nenhuma nisso. O meu envolvimento é um, mas de quem está nisso é outro”. E isso muda opiniões e valores, certamente.
Nós, brasileiros, queremos leis, e queremos que elas funcionem, desde que elas não prejudiquem nosso direito de ter mais privilégios e posses que os outros, e que possamos fazer com esses direitos o que bem entendermos. Já dei aulas em favelas e projetos sociais, e notei que a raiva dos jovens quanto aos “playboys” não se traduzia em uma repulsa ao comportamento destes, e sim em vontade de ser exatamente igual a eles. Como comentei uma vez com uma turma: se vocês tivessem grana, seriam iguaizinhos – para a minha surpresa, a maioria concordou! Também já lecionei em colégios particulares e de classe alta, e cada vez mais os garotos bem-nascidos estão assumindo abertamente seus preconceitos raciais e sociais – mas isso você nem precisa ser professor para notar. Basta dar uma olhada em comunidades do orkut como “Odeio pobre” e afins.
Dizer que nossa sociedade é hipócrita é chover no molhado. O que se esquece é que, se a sociedade é hipócrita, é porque ela reflete valores e atitudes das pessoas que a constituem, independentemente de classe social. E o cinismo virou o último refúgio de quem não consegue sair do discurso benfazejo e partir para a prática.
Em conversa com um amigo, jornalista responsável pela editoria política, ele disse: “tô cagando pra política partidária. Pode ser o foco do meu trabalho, mas isso, já percebi, não leva a lugar nenhum. Me interessa muito mais a micro-política, aquelas coisas do dia-a-dia, como o cara trata os filhos, o garçom, como ele se comporta no ônibus. Isso é o que vai mostrar mesmo o caráter do cara, e no fim é só isso que interessa”. Concordo, e vou um pouco além: me interessa também o que o cara faz no seu trabalho, também, porque no fim é isso que azeita a engrenagem e alimenta o motor desse sistema social. Não importa se você é professor, jornalista ou varredor de rua, a tua postura é que vai ajudar a ditar o ritmo das coisas. Não é criando ONG que se muda alguma coisa, nem participando de “projetos sociais” (como eu já trabalhei em vários, e não vi praticamente resultado nenhum – recentemente, trabalhei em um que não fazia mais que preparar uma garotada para dizer “sim, senhor” e se conformar com salários humilhantes).
Esse aspecto do filme chamou muito mais atenção que a questão policial, que não é menos urgente, é verdade, mas me parece ser parte desse sistema maior e mais opressivo. O filme é direitista? É. Reacionário também? Discutível. O filme assume um ponto de vista, e mantém essa referência até o fim. Se ele desperta reações extremadas, a culpa não é do diretor, e sim dos demônios que passeiam na alma de cada espectador.

Porque foto do Wagner Moura já tem demais.



*Meus princípios incluem ver filmes com boa qualidade de áudio e imagem, coisa que os piratas geralmente não têm. Além disso, os extras, via de regra, apresentam problemas ou simplesmente não funcionam. Ou eu é que sou muito azarado.

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2 Comments:

Blogger André said...

Jesus amado, é um dos melhores textos escritos sobre o filme, de longe.

9:09 AM

 
Blogger Sr. Walrus said...

Não acho que é um filme direitista. Um filme direitista não iria levar a idéia de que nossa sociedade precisa de mudanças, que as elites prejudicam - através da compra de drogas - a classe pobre, incentivando o tráfico. O filme de certa maneira protege a atitude policial de torturar para conseguir informações, mas não chega perto de proteger a polícia (só o BOPE), pois mostra toda a corrupção em cenas absurdas de engraçadas/irônicas como a que o Fábio briga com os caras que dão multa e rebocam os carros da mecânica. É um filme complexo, não assume uma posição muito firme, mostra ação e reação, mas ainda acho mais próximo de pensamentos esquerdistas do que de direita. Um filme muito bom, mas ficou muito vulgarizado com as frases de efeito.

5:52 AM

 

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