Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Tuesday, September 04, 2007

Gênese

(Uma fábula criada pela mente adolescente que não deixa nem o corpo parecer com o de um homem. Ainda somos todos garotos)

No princípio havia o silêncio, e o silêncio era tudo e o silêncio oprimia. E a opressão se fez ruído, e Alan Freed disse que era a hora do rock and roll, e quando Bill Haley contou até dez, a sala de aula se tornou uma selva e a vida se fez Música. E a Música estava em todas as ruas, e seus seguidores viram que ela era boa. Mas havia alguns que não queriam a Música, queriam só os blusões de couro e a inconseqüência, porque eram maus. E esses tornaram a selva uma cadeia alimentar com mais predadores que presas, e a Música foi se esconder.

Veio Pat Boone e a Era das Trevas. Os Mil Anos do Inimigo vieram antes mesmo do Apocalispe começar, e estávamos todos na Escuridão, até que os apóstolos João e Paulo vieram, saindo das hostes profanas para converter o mundo à verdadeira fé, a de que todos tínhamos almas de borracha. E a luz veio trazer tons coloridos e espiralados à Música, que agora estava em todos os lugares onde não se comia de hashi. A Música se espalhava, e conforme o fazia, se transformava e se engrandecia. E quiseram tornar a Música popular, e organizaram grandes cultos, com grandes corporações das Trevas bancando-os, e assim se deu a Apostasia, com todos comprando a Música e os produtos associados à ela. E os Músicos ficaram ricos, e os fiéis se tornaram cínicos.

Novos rebanhos foram arrebatados. Novos rebanhos ainda o são. E hoje, passados quase quarenta anos, temos saudades da Era das Trevas, pois elas hoje nos parecem inocentes e inofensivas. Os rebanhos estão cada vez maiores. Os rituais mudaram, se modernizaram. Os cultos estão cheios de alta tecnologia e anúncios luminosos & luxuosos. A fé está nas roupas e na “atitude”. A Música se foi. Só ficaram os ruídos.

Mas ainda há devotos, anacrônicos devotos que sabem que a Música não precisa estar entre as massas. Que o Apocalipse já chegou à plebe e esta prefere ter camarote vip e traquitanas eletrônicas para “curtir o show” em vez de salvar suas almas – agora não mais de borracha, mas de fibra sintética e poliéster. Esses devotos ainda estão por aqui, e não querem “preservar a fé”, converter descrentes ou salvar os que estavam perdidos antes de nascer. Elas só querem colocar a Música onde suas vidas permitirem, e seguir seu caminho, deixando a porta da casa aberta para quem quiser entrar, ou oferecendo lugar na caravana. Eles estão por aí, tocando em algum lugar onde as luzes não brilham nomes de produtos e onde suas letras fazem o sentido que um dia outras fizeram.

Eles ainda estão por aqui. São a saída que permite dar as costas ao Apocalipse e andar por outros caminhos menos iluminados e mais lentos, mas caminhos nos quais você pode parar e apreciar a vista. Nos quais você pode sofrer, mas encontrará alívio nas provações e consolo nos intervalos da dor. Nos quais você pode entender que a felicidade não está num posto de gasolina aberto às 5h da manhã ou ao alcance do clique do mouse.

Aliás, eles nem sabem se a felicidade está mesmo por aí. Mas estão a fim de procurar. E por extensão, acabam ajudando a alguns na busca.

Amém.

(texto dedicado ao Ivan Santos, ao Fábio Cascadura e aos irmãos Carlos e Renato Zubek. Às vezes, a felicidade está numa canção bem colocada no melhor dia possível)

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1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

muito legal, hem cara. te liguei mas não te achei. ligo de novo no finde. abs

7:04 AM

 

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