Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Saturday, August 25, 2007

Com vocês, Rubens K

Acordei com vontade de ouvir música em espanhol. É uma bela língua, o espanhol.
Imediatamente penso nas espanholas. Espanholas morenas, irrequietas, com uma
personalidade do cão - cadelas teimosas. É assim que vejo as espanholas. Não sei
se lembro de alguma que não seja morena. Não deve existir essa mutação. Quando
aumentei o volume, um debilóide ficou gritando na mesma intensidade do som.
Aumentei mais ainda o volume. Aumentaram os gritos e agora uns gemidos também se
juntaram ao resto da ladainha. Desliguei o som e bati na porta do filho da puta.
Quem atendeu era mesmo um debilóide, um retardado. “Os gritos” eram ele
cantando. Fiquei desconcertado. Não tinha mais ninguém ali, então não falei nada
e fui embora. Não liguei mais a música também. Lembrei que quando eu era
pequeno, oito anos, sei lá, tinha um desses caras no colégio. Não na minha sala,
mas estudava junto com os caras do primeiro ou segundo ou terceiro ano. Todo
mundo olhava o garoto. Ele era mesmo diferente. Tinha um monte de problemas com
o lanche, com o material, com todo o mundo que o cercava. Ele tinha um amigo. Um
negrinho que ficava o intervalo todo ao lado dele e ajudava com as coisas. Que
dupla. Bom, o garoto me parecia forte. Tinha uma cara que destoava de todo o
resto, mas me parecia bastante capaz de enfrentar quem atravessasse o seu
caminho. Na verdade ele mais assustava do que outra coisa. Dele saiam uns gritos
agudos de felicidade ou o que quer que seja, quando ele parecia feliz com alguma
coisa. Eu o evitava por não saber lidar com aquela criatura. Não podia prever
o que faria e isso me deixava em desvantagem. Uma vez, no pátio, ele agarrou uma
menina, uma das bem bonitas, por trás, mas logo soltou e saiu correndo como um
louco pro outro lado. O negrinho foi atrás dele. A menina ficou horrorizada. Foi
a gota d’água. Chamaram os pais do garoto e forçaram a transferência do
“monstro” pra outro lugar, um mais apropriado pra caras como ele - lembro que
foram as palavras da época, mais ou menos. Hoje quando dei de cara com o
retardado, lembrei do cara da escola. Fiquei pensando no que ele fez. Não foi
nada rude, não foi agressão. Acho que na verdade ele gostava dela, achava ela
atraente - como qualquer outro garoto da escola. Ele só foi mais corajoso que o
resto de nós.


(Para quem não conhece: www.rkjazz.wordpress.com. Rubão é baixista do Terminal Guadalupe e da This Charming Band, além de ser um dos melhores escritores dessa Terra. Compila seu material e lança um livro, porra! A rapaziada quer ter esse material na estante!)

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

ta certo, ta certo. grande abraço, Léo. apareça por aqui, brother.

6:30 PM

 

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