Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Monday, September 10, 2007

O Albergue Espanhol

Filme feito em 2003, mas que se passa à época da unificação européia, na qual os países ainda mantinham suas moedas (e identidades) nacionais. Embora os mais querelantes possam considerar o filme como “anti-integracionista” ou alguma coisa assim, dá para perceber que sua tônica é o respeito à integridade cultural de cada um – aliás, é quase uma pequena pérola sobre ser você mesmo convivendo com os outros. Claro que tudo é facilitado dentro da realidade onde o filme se insere – ou seja, é fácil “se integrar” se você é jovem, bem-apessoado e europeu (tá, tem um figurante do Gâmbia para livrar a cara do diretor Cédric Klapisch). Considerações sociológicas à parte, é muito bacana ver como Klapisch trabalha possibilidades simples de câmera, principalmente a perspectiva, para mostrar as transformações pelas quais o personagem Xavier (Romain Duris) passa. Ele é um bundinha parisiense que vai passar um ano na Espanha estudando economia para garantir um emprego na companhia do amigo do papai. Mas a partir do momento que se despede da mãe hippie superprotetora e da namorada chatinha (Audrey Tautou, a Amélie Poulin) no aeroporto, já se percebe que a bundamolice vai ter que acabar na marra – aquele “se virar” que todo mundo que largou o útero familiar e foi morar sozinho já passou, uma experiência que acaba te mostrando o teu verdadeiro caráter e te revela seus mais íntimos valores, alguns surpreendentes e outros desastrosos. Nesse processo, a Barcelona onde Xavier está é geograficamente a mesma, mas vai se revelando diferente conforme a necessidade o obriga a sair de seu confortável casulo.

O filme conserva um astral altíssimo, mesmo na hora das fossas abissais vividas pelos “pós-adolescentes” (interpretados por atores muito mais velhos que essa idade, diga-se), mas faz até de seus pecadinhos pequenas virtudes: afinal, o quanto conhecemos alguém? Não sabemos mais que pequenos detalhes ou grandes irrelevâncias, e terminamos o filme conhecendo tão pouco dos “alberguistas” (é uma “república estudantil”, na verdade – será que ainda se usa esse termo?) quanto Xavier, mas o que vemos, nos permite inferir algumas coisinhas... inclusive que a vida não será a mesma. Que muita coisa mais vai parecer sem graça e insuportável. Que nada vai ter aquela emoção que te acomete quando você se põe a arriscar uma comovedora ingenuidade. Que o cinismo vai ser uma presença mais constante.

Quando Xavier volta, ele se sente, enfim, estrangeiro em sua própria casa. Não mais parisiense nem nada, mas alguém que sabe que seguir em frente é o único meio de continuar a vida, pois olhar para trás, além de atravancar tudo, só traz dor. E a câmera acompanha essa mudança em seu rosto, o ar de bundão abandonando subitamente sua cara.

Alguns poderiam reclamar do final algo irreal e sonhador, ainda mais depois do passeio parisiense impregnado de “realidade”. Mas o diretor, pelo visto, se permite sonhar, e quis fazer uma película na qual pudesse compartilhar isso com os outros. Agradecemos.


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