Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Monday, November 26, 2007

Sábado

Às vezes, você abre a porta de casa e um amigo entra ali.

É clichê, você vai dizer, e eu rebaterei que não, que a gente abre a porta da casa para fiscais do Centro de Zoonoses fiscalizando focos de dengue, para velhinhos simpáticos que sabem fazer excelentes casinhas de cachorro e péssimos suportes para quadro branco, para falsos amigos, para malucos, para pessoas que nem sempre deveriam entrar em nossas vidas e para pessoas que nunca deveriam ter entrado. Ou às vezes nem abrimos a porta, ficamos sorvendo a nossa própria solidão em goles prazerosos ou em momentos desprovidos de esperança, tudo depende de quanto cada um gosta de sua própria companhia.

Só que às vezes, você abre a porta e entra ali alguém que vai compartilhar uma cacetada de alegrias e prazeres com você, e tire os pensamentos sujos da cabeça, seu xarope monotemático. É só que entrou alguém que ri pra caralho com as bobeiras que eu mostro, que fecha os olhos escutando pela primeira vez “3h30”, do OAEOZ, que enlouquece com Gogol Bordello e Terminal Guadalupe, que se mata de rir com os textos do Adolar Gangorra e a essas tantas já estamos celebrando a vida e nem nos damos conta disso.

Mais atípico é ainda – mais desconcertante, talvez fosse a palavra certa – você pensar que antes de que essa porta fosse aberta, estávamos num gramado qualquer, sentados lavando a série de pequenos ou grandes infortúnios que parece ter caído sobre nossas vidas nesse ano, e que parece ter-se ido (no meu caso) ou desvanecido-se no caso de uma fibra mais resistente do que a que eu tenho por revestimento (no caso dela). Doenças, acidentes automobilísticos, pequenas (ou grandes) intervenções cirúrgicas, projéteis encontrando a carne e abrindo as portas da morte (isso não é metáfora, infelizmente), fanatismo religioso, umas coisas assim. Coisas que ficaram para trás mas que certamente levaremos dentro do nosso repertório emocional, mesmo que como uma canção para ser tocada muito raramente. Enfim, coisas que passaram e que foram ruins quando rolaram, e que parecem não estar mais aqui para incomodar. Ou estão e queremos deixar para lá.

Acho que não estão. Porque – veja bem – ela, essa amiga, sempre me traz aquilo que eu não consigo ter, que é uma capacidade absurda de se encontrar e se manter no meio de qualquer vendaval que venha ou ameace vir, alguém que não pensa duas vezes antes de chorar mas que parece – “parece”, essa imprecisão minha não procede, é só o medo de idealizar alguém – não derramar uma única lágrima dentro de si. Acho que o que estou procurando dizer é que essa guria nunca conheceu um sentimento chamado auto-piedade, essa merda nociva que nada tem a ver com o perdão ou com uma alma dignamente piedosa, é traiçoeira a língua portuguesa, me refiro ao sentimento que nos permite – e até nos encoraja – a ter pena de nós mesmos, a olhar os outros de cima para pedir-lhes de joelhos sua atenção. É um sentimento porco, que muitos de nós carregamos.

E não essa guria, eu já mencionei que ela tem dezesseis anos? Essa guria fala, e eu ouço. É estranho, eu falo demais, muito do que digo não deveria ter sido verbalizado, mas com ela reconheço meu patetismo diante de certas situações, vejo nela o auto-conhecimento que não consegui obter com hedonismo, religiosidade ou contemplação, nem com os três atuando junto (essa “proeza” eu consegui). Eu só ouço, e se me arrisco a mover os lábios, é para mostrar que o adolescente sou eu, as frases empolgadas e de vocabulário pobre saindo da minha boca só para prolongar a conversa, para manter aquela mulher falando.

Hm, eu quis fazer uma grande distinção aqui, mas não cabe. Ainda a vejo como uma guria sim, uma guria que, no mundo em que existe na minha cabeça, não deveria passar por coisas que passou e passa – para os de boa memória, já escrevi sobre ela aqui, quando seu pai fora baleado no presídio. Ele se recuperou para sair de lá e encontrar outras duas balas, as quais cumpriram a função para quais haviam sido designadas, que é a de antecipar o fim de um porque outro se arrogou o direito divino de tirar a vida. Isso é uma das coisas que vieram golpeando o coração dessa guria, e aí estava ela, feliz em me ver, tantas eram as saudades em que estávamos. E não falávamos em dor, embora todas essas coisas doessem. Riamos muito, o riso que o têm os amigos, os irmãos que não compartilham do mesmo sangue, os que querem viver porque essa porra dessa vida é fudidamente maravilhosa, mesmo que nos dêem evidências para crer o contrário.

E o fato de ela não ser uma mulher ainda (porque, na verdade, nenhuma menina de 16 anos deveria sê-lo) não muda o fato que ela é mais firme, bela e cativante que a maioria das mulheres que eu conheço.

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