Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Wednesday, February 28, 2007

Folhetim Urbano

Eu não sou pago para escrever no Scream&Yell, tampouco o Marcelo Costa me pede ou pediu para fazê-lo. O filho é dele e ele o alimenta como quiser. Assim que, por razões que ele deve ter, ele modificou ou mesmo suprimiu (i.e., cortou) alguns parágrafos da resenha que escrevi sobre a banda curitibana Folhetim Urbano. Calhou que a matéria perdeu todo o sentido que eu queria dar. Tornou-se um texto que eu não assinaria - mas ainda assim, minha assinatura está lá.

Sem qualquer intenção de picuinha, publico aqui o texto que eu escrevi. Pode não ser genial e ter um caráter meio exagerado, mas é assim que faço a maioria das coisas: sem genialidade e com exagero muitas vezes apaixonado. Inclusive minha escrita. Então está aí:

FOLHETIM URBANO - CATIVEIRO
por Leonardo Vinhas

Recentemente, o Scream&Yell publicou uma lista de apostas com “sete bandas mais uma” para o ano de 2007. É uma ousadia alta da qual este escriba não compartilha, não por desacreditar do trabalho dos artistas listados, mas simplesmente porque não crê em prognósticos nem se atém aos apelos comerciais da música. Porque se há vezes em que a música fala ao mercado e mesmo muitas outras vezes em que ela fala ao coração, há ocasiões em que a música fala aos intestinos, ao cérebro, aos instintos, à intelectualidade, à frugalidade imprevisível do momento e à imponderável combinação de circunstâncias e emoções.
E foi possivelmente na soma dos dois últimos itens acima citados que a estréia do trio curitibano Folhetim Urbano, o EP Cativeiro, tomou de assalto meu orgulhoso e quase obsoleto aparelho de CD.
Os irmãos Carlos (voz e guitarra) e Renato Zubek (baixo cheio de variantes, caminhos tortuosos e inspirações jazzísticas), mais o baterista Marcelo Tchychy, estão juntos desde 2005 e já vem dessa época a peleja para registrar em estúdio as cinco faixas que compõem o disco. “Guerrilha” havia sido disponibilizada em versão demo na TramaVirtual, quando o grupo ainda atendia por Sabadá e já chamava a atenção pelos grooves solapados de baixo e pela guitarra que rockeava para caminhos desconhecidos a partir de inspirações setentistas. O vocal agudo do convidado Linari (La Carne) trazia a urgência e a convocação aos versos cínicos, fosse na ponte que diz que aqui “só tem índio” ou no refrão que prometia que “quem matar mais americano, mais medalha no peito”.
Essa faixa ganhou produção mais pesada e o sax dissonante de Paulinho Branco e abre o CD no susto, seguindo sem descanso até o último suspiro do sax. “Avon”, dedicada ao controverso avô dos irmãos Zubek, prova que música não é só profissionalismo – ela ainda requer grande dose de entrega e abandono, sem que isso signifique auto-destruição. Só ouvindo para entender como os versos “não feche os olhos pra sonhar / não pare para descansar / a vida segue / e procura o fim / sozinha” perdem a aura ingênua para virar declaração de vida sem qualquer afetação. A guitarra contribui muito para tanto, mas o xeque está no vocal, que ainda entoa o precioso verso “ainda ouço o teu sorriso”.
Versos mais densos estão em “Frases, Fases e Tempestades”, uma canção cortante, conduzida com menos urgência mas sem significar descanso. “São os dias engolindo as idéias / tempestade que não passa mais / Ontem eu vi alguém que se ama / Isso é raro e já não toca mais”. Internet, pressões profissionais, ditadura estética, a TV exercendo a função de canção de ninar adulta, a rotina para pagar as contas e a diversão para esquecer das dívidas, ansiolíticos e pílulas para todos os males, até os que não são maus; tudo isso levando o Homem numa enxurrada e fazendo-o soterrar-se na nulidade de sua própria rotina.
“F de Todos Nõs” traz mais um La Carne, agora Jorge Jordão, para correr com sua guitarra sobre tudo enquanto a independência social declarada pelo crime, representado por Fernandinho Beira-Mar, ganha ares de vingança contra a sociedade que exclui os que nasceram do lado errado da calçada. “Sabadá” era para ser canção-tema dos primórdios, mas é um hard-rock que passa batido frente aos quatro outro monolitos saltenhos que já te envolveram.
Só isso. Só cinco faixas. No máximo, pode-se dizer que algo está iniciando aí. Não dá para fazer apostas, porque esse que escreve é um homem cujos dias sempre ameaçam engolir as idéias, e quase conseguem. Porém, há vezes em que esses dias encontram barreiras da mediocridade e permitem ao Homem que respira erraticamente lá dentro sair da toca e tentar construir algo. Isso vem da frugalidade imprevisível do momento e à imponderável combinação de circunstâncias e emoções.
Vem do tipo de música que fala à inspiração.

Thursday, February 15, 2007

Heaven and Hell

Todos nós vamos para o Céu, de acordo com as mais Sagradas e Confiáveis Escrituras. Jesus, o Filho de Deus, nos disse isso; pela boca do profeta Maomé, Alá nos assegurou o mesmo. O Talmud promete o Paraíso; Kardec afirmou que a perfeição era possível. Os contos dos nórdicos antigos legavam o Valhalla aos homens de bem. A virtude sempre seria recompensada.
O pecado e a imoralidade também não ficariam impunes. Jesus antevia aos pecadores a sentença eterna, assim como o Profeta do Islã e os Profetas do Antigo Testamento. Os karmas negativos seriam acumulados, a dor, o limbo, o esquecimento. Todos nós vamos para o Inferno.
As grandes religiões prometem aos seus o Céu; aos que não são seus, choro e ranger de dentes, tormento, revanche, dor eterna. O Acolhimento, o Amor, a Graça e suas benesses aos que seguirem o Livro, contanto que seja aquele livro. Mas qual livro seguir?
Há livros demais, regras demais, sanções e condenações demais, nomes demais para um deus que, em tese, é o mesmo. A essas tantas, Deus passeia – uns diriam que esperançoso, outros amargurado – olhando para os carros e se perguntando, num lamento quase ébrio, se é dono de alguma concessionária e não o sabia, tamanha a freqüência que seu nome aparece em adesivos e decalques. E perguntando porque ele deveria ficar com a grana e o sangue que lhe são ofertados em templos e guerras.
Deus, de acordo com seus mensageiros (auto-proclamados ou “eleitos”) aqui na Terra, deve ter comissão na venda de anti-depressivos, de livros de auto-ajuda ou manuais de preconceito aplicado disfarçados de livros de “iluminação”. Deus deve sentir saudade de quando filósofos lhe negavam a existência mas pregavam uma virtude mais real, mais prática e mais palpável, em vez de simplesmente buscar chocar beatas e pregadores de repartições públicas.
Deus não deve entender porque tem gente que passa o dia pagando pau para ele em orações, louvores e oblações, mas não consegue dar um gesto real de caridade para alguém, se conformando com a piedade burguesa da esmola, aquela que garante aos justos uma boa noite de sono e uma consciência limpa como lençol de propaganda de sabão em pó.
Deus deve estar de saco cheio de todo esse papo de Céu e Inferno, já que absolutamente ninguém parece falar de perdão. Caramba, há mais filmes de Hollywood falando de perdão do que igrejas fazendo o mesmo.
Se Deus quiser parar em um bar para dar uma sossegada, não vai conseguir, porque até lá virão intrusos entre os ébrios vender coisas em seu nome.
Aí Deus vai sentar na rua e ver os loucos, os mendigos, os abandonados, os bêbados, os violentos, os vazios, as vítimas da (in)justiça dos homens, o esquema “pouca-farinha-meu-pirão-primeiro” e pensar: “merda, não mudou nada. Continua tudo aí”.
E será nesse momento, imagino eu, que Deus pensará nas escrituras e em quanta bobagem foi escrita sem que Ele as tivesse assinado, e talvez queira mandá-las todas para o inferno,
Ou talvez tudo isso esteja errado e o inferno seja lugar para blasfemadores como eu. Os que duvidam de uma lei que dizem ser divina, mas que para mim nunca passou pelos céus.
Como também pode ser que o perdão esteja aí para todos nós no final.
Pode ser.

Monday, February 12, 2007

Mais um pouco sobre a estética

Alguns posts atrás, eu escrevi, em uma linguagem errática e figurada demais, sobre o padrão de beleza inverossímil que se criou recentemente. A propósito de tal texto, meu amigo André Takano me escreveu – já que até então eu não tinha consertado a configuração de comentários desse blog – dizendo que ele dividia esse sentimento comigo, e ponderou: “é um pessoal que fica com tudo a ver – as meninas ficam a ver com um padrão de beleza que não é deste mundo, e os meninos ficam a ver com um sonho que não poderão encontrar”. Algo assim.
Nisso eu me lembrei: esses dias, uma aluna minha aqui de Foz foi à São Paulo participar de uma série de testes para modelo em “grandes agências de São Paulo”. A coisa funciona assim: olheiros espertos ficam nas ruas mais movimentadas da cidade e abordam as meninas mais ou menos bonitas, convidando-as para irem com os pais na agência deles, porque eles estão “recrutando modelos para uma seletiva onde a ganhadora vai ter a chance de ser contratada por uma das maiores agências de São Paulo”. Enfatizam que não é falcatrua nem aliciamento e insistem para os pais irem juntos à uma “entrevista”, onde poderão ser selecionadas. As meninas vão, em 99% dos casos acompanhadas das mães, e lá se deslumbram com as promessas, sendo não raro incentivadas pelas mães, que também não raramente se deslumbram mais com a possibilidade do “sucesso” das filhas que elas próprias. Enunciar minha opinião sobre o ridículo de todo esse processo seria uma puta perda de tempo.
Minha aluna – uma garota legal e divertida de dezesseis anos, capaz de articular boas idéias e cativar com sua beleza – caiu nesse papo, foi “selecionada” e pra São Paulo rumou, num ônibus com mais umas 40 “selecionadas” de Foz e Medianeira. Encararam uma maratona de testes e agências, passearam no Hopi Hari e em uns dois shopping centers. Seria tudo muito fofo, digno de constar nos orkuts e demais registros de suas vidas, mas a coisa toda está longe de ser “fofa”.
Os tais “testes” consistem em fazer algumas poses e dar alguns sorrisos, e se o examinador gostar do que vê, encaminha as meninas a uma sala onde desfilarão de biquíni enquanto sete ou oito marmanjos de pose afetada ficam “avaliando o material” e dizendo o que precisa mudar ou não, segundo os critérios deles e dos padrões de beleza vigentes, é claro.
Preciso dizer o quanto isso é doentio? Acreditar que algum desses pedófilos não-assumidos mantém um “distanciamento profissional” numa atividade dessas é a mesma coisa que afirmar que um cartola está preocupado com a qualidade do futebol que seu clube apresenta! As garotas se voluntariando, muitas com muito orgulho, a se exibirem como pedaços de carne no açougue, perante os olhos famintos de quem está ali avaliando suas coxas, sua bunda e seus seios. Para minha aluna, disseram que ela teria que endurecer a bunda, “o resto estava perfeito”. Ela é, de fato, muito bonita, de um modo muito natural. Tem belos olhos verdes, um sorriso que desembrutece qualquer marmanjo e um jeito meio moleca, meio mandona, que é divertido de se ver. Entretanto, foi setorizada, avaliada e sentenciada a “melhorar a bunda”. E voltou feliz e realizada para casa, certa que será contratada em janeiro, “tão logo arrume a bunda”.
É óbvio que as chances de ela voltar para Foz do Iguaçu em depois de dar com a porta na cara (teria que voltar a SP esse mês) são enormes. É também óbvio que muitas garotas ouviram um “não” logo de cara e voltaram para casa com a auto-estima arrasada. O que não é óbvio foi o que se seguiu no relato dela. Me contando esses detalhes que eu escrevo aqui, ela assinalou que uma garota de Medianeira – cidade conhecida pela disponibilidade de loiras altas e esguias – “foi aprovada em todos os testes, até na Mega (e ela fez questão de ressaltar que era A Mega. Alguém sabe que porra é essa?) e voltou pra casa chorando, chorou a viagem inteira no ônibus, porque disse que não queria morar em São Paulo, que não queria ser modelo, que a mãe a estava obrigando a isso...” E quando eu comentei que “ela tem o direito de não querer ser modelo”, a menina replicou “mas deveria querer. Toda menina quer!”
Mudei a conversa de assunto e procurei não pensar mais no tema. Claro que não o consegui, senão não estaria escrevendo isso.
É isso aí. Toda menina quer, e quem não quer, que morra (ou viva, o que é pior) no isolamento, naquelas ilhas sociais onde jogam os que não se encaixam no gosto geral, os que não fazem parte da “galera”.

Um Lugar Para Recomeçar


Em poucas palavras: filmão. Do tipo "bom pra caralho". Diálogos fodidamente bem escritos, uma história totalmente crível, real e pungente. Maneirismos hollywoodianos zero, nenhuma solução simplista, nenhuma complicação mirabolante. E muito emocionante.~
Não se assuste com o título clichê em português. "An Unfinished Life" tem mais a ver com o que se passa na tela.

Robert Redford mostrando porque é um dos maiores atores do cinema americano de todos os tempos (ainda que subvalorizado), Morgan Freeman reinventando seu papel de "velho sereno e sábio", uma excelente atriz mirim (Becca Gardner) e Jennifer Lopez recuperando o início da sua trajetetória, quando não se deixava reduzir a rebolantes quadris latinos.

O diretor é Lasse Hallstörm, que sabe contar uma história não só com imagens e emoções, mas principalmente com diálogos muito bem escritos, diálogos como raramente se vê. Não são frases de efeito, são momentos de poucos segundos que deixam um camarada pensando por dias, ou podnderações que golpeiam nossas vidraças mais frágeis.

Deixe-se a história de lado para não estragar o prazer de quem for ver. Mas é o caso, mesmo, de um filme como a vida em seus momentos mais longevos ou passageiros... mas aqueles momentos que a fazem valer a pena.

Quando a história anda para trás

Você conseguiria voltar ao colégio? Se sentiria à vontade se voltasse a trabalhar em uma empresa onde trabalhou no passado, reassuimindo o mesmo cargo e setor de antes? Retomaria um namoro para fazer as coisas continuarem “de onde pararam” ?
A resposta mais provável e crível para todas essas perguntas é não. Você, eu, qualquer um, sentiríamos o peso do dejá vu, já que nada seria como antes: nem a escola, nem o trabalho, nem a garota e, principalmente, nem você mesmo.
A história é um contínuo, já se disse por aí, mas não anda para trás (Larry Wizniewski). Não dá para voltar no tempo ou fazer com que ele volte. O que aconteceu, aconteceu, e o que vier para frente pode carregar as conseqüências disso, mas nunca se repetirá. Se quiser insistir nos clichês, eu diria que “tudo acaba um dia”. Sem exceções.
Não fiz nada mais que escrever obviedades até aqui, e quem está lendo, provavelmente pensa: “tá, por que estamos falando disso?”. Porque a MTV estava exibindo um soundcheck dos redivivos Mutantes
Como é que pode? Uma banda que já nasceu datada virou objeto de culto, e hoje é vista como o medalhão mais prestigiado da música brasileira em seu “retorno”. Retorno de quem, modernete? Cadê a Rita Lee nessa brincadeira? Nem vamos falar do Liminha, mas me parece claro que, independente de preferências, Mutantes sem Rita Lee é como o Jefferson Airplane sem a Grace Slick ou Smiths sem Johnny Marr. Passa pela minha cabeça que um grupo de músicos tem uma identidade enquanto se trata do mesmo grupo de pessoas. A entrada ou saída de elementos a esse grupo altera a equação, tanto para melhor como para pior. Mas às vezes você tira uma peça não é fundamental, e a coisa segue sem maiores atropelos. Não é o caso dos Mutantes, como pode atestar qualquer fã (onde eu NÂO me incluo) da banda. A mulher do Roberto de Carvalho contribuiu, e muito, para que a banda obtivesse a fama de que desfruta hoje.
Estão para chegar ao Brasil dois senhores, Roger Daltrey e Pete Townshend. Dois homens que tocaram no Who, e que hoje representam o que há de mais patético (a vaidade tardia e inacabável de Daltrey, o reacionarismo e a pedofilia de Townshend) na porção da raça humana que constitui a sociedade bem-alimentada. O Who foi uma grande banda, e para mim chegou a ser uma obsessão, de ficar procurando significados ocultos em Tommy e todo aquele hippismo. Hoje eles mal freqüentam meu player, mas terão meu eterno respeito, assim como serão alvos da certeza que o Who de verdade já havia acabado antes mesmo de Keith Moon bater as botas – ou vai me dizer que você consegue escutar o Who Are You? inteiro?. Ainda assim, dá pra você pensar no Who sem a bateria anfetaminada de Moon ou sem as digitadas velozes e imprevisíveis do baixo de John Entwistle?
Arnaldo Baptista, antes de ficar completamente lesado, insistia em dizer que os Mutantes eram defasados e que Sergio Dias estava completamente pirado em acreditar que eles poderiam ter tido uma carreira internacional na época. Também era categórico em dizer que a banda não voltaria. Rita Lee chegou a declarar que o Pato Fu (!) superou os Mutantes em sua proposta. E de uma hora pra outra devemos acreditar que uma conjunção cósmica juntou um cara com o cérebro frito, um egomaníaco, um tiozinho do qual o rock não se lembrava e uma “cantora eclética” para reviver algo que “sempre foi grande”, nas palavras de Dias? Bah!
Só que o público vai na onda. Como vai na onda do Who, também (escutar Daltrey cantar “I hope I die before I get old”, ver Townshend repetir as poses dos longínquos anos 60, etc). E de muitos outros. Até aqueles que se consagraram como “alternativos” e “desafiadores” se lançaram em “voltas” e “reencontros” de inspiração puramente caça-níqueis, que se aproveitavam da emotividade e da paixão cega dos fãs para levantar uns trocados para não faltar pó na aposentadoria – sim, estou falando de Pixies, Jesus And Mary Chain, esse povo todo.
Esse papo não tem nada a ver com a idade no rock. Neil Young tá aí para derrubar qualquer argumento de preconceito geriátrico. Iggy Pop é mais discutível, já que ninguém sabe o nome de uma música nova dos Stooges, mas quem vê o tio no palco, sabe que o papo é bem menos simplista.
O problema está lá no primeiro parágrafo desse texto. Não dá para voltar ao colégio, nem reviver as emoções daquela época. No máximo, dá para ver fotos e acalentar boas lembranças. Mas tentar reviver... não dá futuro. Só dinheiro para uns poucos e enganação para muitos.

Tuesday, February 06, 2007

Santos

Às vezes os dias só tomam suas idéias e você precisa conversar com alguém, com quem quer que seja, só para o que dia não te seqüestre para a rotina e a autocomiseração.

Há dias em que todos os Provérbios da Bíblia parecem cheios de sentido e você quer vivê-los todos, mas não consegue porque – claro – você não lê mais a Bíblia e se pergunta se a culpa de duvidar do que há lá são dos erros de tradução ou dos erros dos homens que a fizeram e protagonizam.

Mas no fim, não foram esses os homens que fizeram a História. Ela pode ser feita de vencedores, mas é contada por quem tem a voz mais alta, melhor RP e mais poder temporal.

Não dá para ser cínico e descrente com apenas 28 anos. Eu deveria esperar os trinta para começar a esboçar uma crise. Mas não tô com vontade nenhuma de encarar uma pose de velho lamuriento que não sabe qual é a sua, mas deixa pra lá, porque a vida é má mesmo, e talvez eu seja mal e blábláblá.

Não dá para saber porra nenhuma sobre emoções, nem as suas nem as minhas.

Dá para um homem ter vinte e oito anos e passar todo seu dia desempregado batendo punheta? Dá, mas ele vai se olhar no espelho depois e virar a cara, porque ele sequer sabe o que deve ser feito e ainda por cima aborta voluntariamente seu direito de se perguntar “o que” e “por que”.

Quando você tem 28 anos, comida na mesa e um corpo magro que não precisa de muito para sair andando pelas ruas e conversando com as pessoas, não se pode reclamar de muita coisa.

Mas quando você tem tudo isso aí em cima e não faz nada, ou você é um bosta ou um covarde. Os dois não são a mesma coisa. Há pessoas que conseguem ser ambos, inclusive.

Não é o meu caso.

Eu não sou um homem de épicos e não me permito muito mais que essas bravatas escritas após um coito intranqüilo na madrugada, e isso já é me permitir muita auto-indulgência.

Eu acreditava numa porrada de coisas e parece que agora é que cheguei na pós-pubescência, duvidando de tudo o que eu sabia e começando a arrumar briga pelo que realmente vale a pena.

Sei lá se isso são fases, ou se meu turbilhão de emoções e realizações vai comprimir meu próprio ego e minha essência. Sei quase nada sobre isso. Como poderia saber?

Mas posso experimentar, testar, vivenciar, errar, acertar, aprender, sangrar. “Eu estava valorizando muito isso [de morar sozinho] na época, mas no fim, não é nada demais, você deixa de sangrar num lugar e vai sangrar no outro”, me disse o Linari uma vez numa mesa de calçada da Padaria Santo Expedito, o santo das causas urgentes.

Não sei se acredito no que a igreja católica diz sobre os seus santos, mas sei que gosto muito deles. Eles erravam, mas seus erros não os impediram de chegar a Deus. Se depois a canonização virou um ato político, é algo a se lamentar. Mas é ótimo saber que você pode venerar quem errou. Quem brigou, bebeu, bateu. Mas acertou várias também.

Existe um São Leonardo na tradição. Não sei (é infinita a quantidade de coisas que não sei e que vou morrer sem saber) bem quem foi ou o que fez, sei apenas que era um marinheiro italiano.

Eu não sou ele. Não sou mesmo.

Mas estou ainda atrás da minha santidade, e os ratos e as ratazanas de sacristias e púlpitos podem não gostar do que vão ver.

Tripa de porco

Até quando as bichas vão pagar o preço
pela nossa hipocrisia?

Até quando daremos nossos gritinhos histéricos
em passeatas fajutas contra um governo
moralmente falido que nos empurra
um monstruoso cacete na bunda?

Até quando seremos obrigados a idolatrar
esses sabotadores da Cultura que infectam
as rádios e TVs de nosso país
com a conivência dos órgãos de imprensa
medíocres e comprados?

Casas na praia, carros importados,
Garotas&Garotos da madrugada
valem tal preço, seus merdas?
Ardam no Inferno, seus filhos da puta!
Vocês e suas filhas chupadoras de caralhos grã-finos!
Vocês e seus filhos atolados no pó!
Vocês e suas mulheres com bucetas de ouro e um esgoto na cabeça!

Vou deixar de fora os reverendos.
Coitados... coitadinhos...
Tão humildes, tão sinceros...
São os intermediários de Deus, né?
Não se chega a Deus sem eles, né?
Pobrezinhos...
O fardo é grande, né?
Guiar as ovelhinhas perdidas é tão cansativo, né?
Então porque vocês não se aliviam dessa carga que Deus lhes deu
E se enforcam nas tripas de um porco no meio do altar, hein?


(Augusto Capucho)

Tirado do livro A Dança das nuvens sobre os mortos (Grimórios Brunidos Associosos).

Monday, February 05, 2007

Ash - Evil Eye (Live)



Acho que estou na fase "roqueiras lindas". Mas não é só por causa da Charlotte que esse vídeo taí.

É que sempre pensei no Ash como uma cruza de Green Day e Weezer, salvo o disco de punkão adolescente "Trailer", barulhento e sem rumo. Os irlandeses só caíram na graça dos indies porque não faziam sucesso comercial no Brasil, mas eles são uma banda essencialmente pop, do tipo que faz ótimos singles, mas álbuns nem tanto.

"Evil Eye" não é um desses singles, mas uma ótima canção do álbum "Meltdown". Aqui, ao vivo pelas razões já citadas.

Para animar os dias



Tem gente que os chama de "Pogues hardcore". Bobagem. Os irlandeses são, essencialmente, uma banda folk, onde o rock entra como um dado extra de intensidade. Já o Flogging Molly é a aceleração e "punkização" dos dados mais básicos da música folk da terra de Van Diemen.
Definições à parte, essa versão ao vivo de "Seven Deadly Sins" é de iluminar o cinza de dias tristes, além de conclamar abstêmios a experimentar ao menos um gole de cerveja.
Não bastasse a festa, a edição de imagens valoriza a performance simples, carismática e energética da banda. Ah, e a violinista é charmosa.
Floggin Molly, "Seven Deadly Sins" ao vivo no Dia de São Patrício em Nova Iorque.

Thursday, February 01, 2007

Ceifando vidas

A história tem elementos farsescos demais: um templo grande, pastores de salários milionários, fiéis de classe média baixa dando o que vai fazer falta no fim do mês, fiéis de classe muito alta dando os dólares que sobram na carteira, gente na coluna social, esquemas comerciais aplicados à conquista de novos membros; aliciamento, sedução e sevícia das “irmãs” mais dedicadas (e/ou iludidas) e repressões de todos os tipos e formas (mas só para quem está de frente para o púlpito, é lógico). Parece farsa, quase novelesca, mas é real e acontece aqui.
“Aqui” é Foz do Iguaçu e o tal templo é o da CEIFA – Célula Evangelizadora Integrada da Família, se não me engano. É uma das milhares de denominações evangélicas que pipocaram de meio século para cá e, para aumentar o viés novelesco, tem raízes nos EUA, terra de Jimmy Swaggart e tantos outros telepastores milionários que fizeram escola mundo afora, vivendo da exploração da culpa, do medo e da fragilidade alheios. É por aí que a CEIFA trabalha, só que ela tem um público alvo mais definido: a classe média em geral, com atenção especial àqueles que ou têm maior poder aquisitivo (desnecessário explicar por quê) ou maior poder de penetração social. Esses, talvez, sejam os mais importantes para eles: professores, chefes de repartições, jovens profissionais – qualquer um que seja bem-relacionado o suficiente para adotar o mesmo sistema de conquista de clientes que as Herbalifes da vida usam.
Primeiro é eleito alguém (religiosos adoram se sentir predestinados, não importa a que), segundo critérios mais ou menos variáveis, alguém para “trazer os irmãos do mundo para Jesus”. Se esse eleito conquista um número x, ele torna-se então “líder de célula” (daí o nome) e passa a gozar de respeito entre os demais membros e é aceito como líder perante a comunidade. E para manter esse “status” (cobiçado por quase todos que lá estão), deve seguir fielmente as ordens dos pastores e ministros, que recebem ordens, inspirações e mensagens diretas de Deus em suas linhas privativas e prioritárias de conversa com o Altíssimo, e as repassam diligentemente aos “eleitos”, para que esses zelem pelos seus discípulos e pelos “perdidos” que podem vir a ser recuperados para o Senhor.
Assim, graças a esses piedosos homens, ficamos sabendo que há um “espírito” para tudo que desvia o homem de seu plano de salvação: há o “espírito da bebedeira”, o “espírito do jogo”, da masturbação, do adultério, das drogas e, claro, do homossexualismo. Esses espíritos são confrontados em épicas “batalhas” (como os religiosos gostam de se sentir soldados!), mantidas em inacreditavelmente longas sessões de oração e humilhantes exposições públicas das vítimas desses “espíritos”, incluindo “testemunhos de cura do lesbianismo” e coisas do tipo. A vitória sobre esses “coisas-ruins” é comemorada em glórias de altos decibéis, e o ato de fraquejar à qualquer desses espíritos é vista como tentação e meios vis de escapar do plano divino.
Claro que todas essas “batalhas”, deveres e obrigações cobram um preço de quem se aventura a cair nesse lodaçal de cruzes e culpas. Esse preço aparece, via de regra, em neuroses cuja intensidade varia de acordo com o tamanho do pedaço de si que a pessoa precisou extirpar para entrar nesse “plano de salvação”.
Que o Brasil está coalhado de templos ruidosos que brigam para destruir a audição de Deus e o bolso dos fiéis, todo mundo sabe. Mas em Foz a coisa já se tornou opressiva. Não dá para caminhar dois quarteirões sem topar com uma dessas, o que não seria o problema, já que cada um é, em tese, dono de sua própria vida e, também em tese, sabe o que faz. Cada um reza como quer, onde quer e quando quer, isso se quiser rezar, evidentemente. Mas não vejo porque você teria que rezar junto com outros cujo Deus lhe dá náusea. E o Deus que esses pastores e líderes passam é bem desse tipo, uma espécie de tirano chantagista e sádico que fica lhe jogando na cara o quanto ele é bom e o quanto você, verme que já nasceu perdido, precisa dele. Um Deus que ajuda conforme a sua grana (graças não alcançadas são atribuídas a um coração fechado, e a abertura do coração é expressa pelas cifras que saem da sua carteira) e que age como uma espécie de financista estelionatário, prometendo lhe dar o dobro do que você investir. Um Deus que manda castigos, lições e provações ao menor deslize, um Deus que detona a saúde de crianças, levando-as até à paralisia, para ensinar “lições” aos pais. Um Deus que exige louvor em tempo integral, porque precisa ser lembrado que é o maior e quer que você diga isso para todo mundo. Eu não sei, mas esse Deus eu não sirvo e nem acho que Ele exista, mas se existir, eu espero que não cruze meu caminho. Eu não conseguiria conter o asco.
Não me vejo como um ser religioso e não me sinto à vontade em templos, mas não é segredo para ninguém que já sonhei ser padre. Mas é que o deus que eu acredito nem pede para usarmos letra maiúscula quando nos referimos a ele. Na verdade, acho que ele não pede muita coisa de nós, a não ser respeito e compreensão – para com ele, com os outros e com nós mesmos. Ele sabe que não dá para ser legal com todo mundo, mas isso não nos dá o direito de sair enchendo a cara de qualquer um de porrada – até porque há vezes em que nós é quem merecemos as bordoadas. Mas ele sempre dá um jeito de não bater tão forte e, quando pode, nos ajuda a nos esquivarmos. Ou a nos levantarmos depois da queda.
Desde que cheguei a essa região, convivo quase diariamente com membros e ex-membros dessa igreja. Desses últimos, colho histórias escabrosas demais para serem listadas aqui, principalmente por se tratarem de dados íntimos de outras pessoas: traumas, abusos e coisas desse tipo. Porque não são poucas(os) as(os) que abandonaram relacionamentos estáveis e sadios por indução de líderes e pastores ciumentos, que depois lhes revelaram que o Senhor tinha um chamado “mais particular” para cada uma delas, em lugares bem pouco religiosos. E também não é nada desprezível o número dos que caíram em intermináveis tratamentos psicológicos e até psiquiátricos, com direito a coquetéis de remédio tarja-preta, por causa dos traumas e das frustrações que ocuparam suas vidas.
Sobre certas coisas eu nunca gostei de escrever, e essa é uma delas. É fácil ganhar uma acusação de leviano, assim como é fácil ofender quem pára numa linha mais incômoda e descontextualiza todo o resto do texto. Mas há coisas que têm que sair da cabeça e ganhar o papel, senão ninguém dorme bem de noite. Se você está lendo isso, é porque eu superei o cagaço e resolvi dividir com alguém o sentimento de nojo que vem desses mercadores de fé preconceituosa.
Sobre os demais elementos do primeiro parágrafo, escrevo mais em detalhes quando achar a hora. Mas seriam mais anedotas tristes para ilustrar o ponto-de-vista com argumentos. A base está aí.
E tem algo que sempre penso sobre Deus. Me lembro do “Deus segundo Laerte”, para mim, mais “evangelizador” e mais divino que os próprios Evangelhos. No fim do primeiro livro, uma tira traz um diálogo entre ele (Deus, pô) e uma mulher de expressão pesada, que é mais ou menos assim:

Mulher: Isso tinha mesmo que ter acontecido?
Deus: Tinha.
Mulher: Você não podia ter feito nada para ter impedido?
Deus: Não.
Mulher: Se eu não posso contar com o poder da sua mão, com o que posso contar então?
Deus: Com o meu ombro.

E ele a abraça enquanto ela chora. É por aí.