Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Saturday, October 27, 2007

O jogador

Não faz muito, sacrifiquei meus sonhos. Não, isso é uma mentira, não houve sacrifícios, fui eu quem os deixei de lado para poder dar espaço ao meu comodismo e uma ilusão de “segurança” que se transformou na vida que eu não quis. Eu simplesmente deixei de lado tudo o que me importava e passei a me ocupar de outras coisas, e agora bem pouco me importa.
Mas alguma coisa ainda deve repousar sobre essa alma que já foi inquieta, sempre são nossos sonhos de menino (ou de jovem adulto) que nos fazem vibrar quando a sombra da maturidade parece virar um manto de obtusidade moral. Esse menino, esse jovem, percebe agora que, quando você se ausenta de seus sonhos supostamente vis para se tornar “um homem decente”, é exatamente a partir daí que você recai na indecência, no vazio e na repetição mecânica de atos “corretos” que só servem para maquiar sua flexibilidade de caráter. E que caráter tolo, esse que você adquiriu. Pois há uma volúpia pelo “certo”, o vício de ser o bom cristão sofredor que você jogou em si na adolescência e ainda hoje se obriga a senti-lo. Leve isso com você. Você não conseguirá decifrar o que isso significa até ser tarde demais.
É triste e doloroso escrever este tipo de texto. Eu sei que virá o dia em que tremerei só de pensar em relê-lo, pois conseguirei decifrar tudo o que me esforcei para “criptografar” aqui. E tudo me parecerá um tremendo desperdício de vida, como me parece agora.
Mas amanhã, Aléxis Ivanovitch, amanhã...

(mais ou menos – bem “mais ou menos” – o que me acometeu ao terminar a leitura de O jogador, de Dostoievski)

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"Para refletir'

Nunca tive paciência para e-mails do tipo "reflitam", aquelas mensagens quilométricas cheias de mimimi-momomós que uma gurias adoram enviar. Pior quando, para dar "credibilidade" à mensagem, os néscios que mandam esse tipo de mensagem costumam assiná-las com o nome de algum autor famoso e reconhecido. Como esse daqui, olha o comecinho:

"Ainda nos meus tempos de graduação em jornalismo na Uerj, fui assistir a uma palestra do fotógrafo André Arruda, que foi do JB, Globo e trabalhava, entre outras coisas, com moda."

Primeiro parágrafo do texto chamado "A arte de gostar de uma mulher", um quilométrico aglomerado de churumelas que veio creditado ao... Luis Fernando Veríssimo!

Só quem nunca leu LFV poderia reconhecer nisso um texto dele. Mas, peraí... UERJ? Fotógrafo do O Globo que trabalha com moda? Talvez o texto seja da Lucia Veríssimo, lembra? Aquela musa de bronhas oitentistas...

E mais um monte de autores ganha "filhos" que não podem nem ser chamados de "bastardos"... Chato.

Em tempo: quem me mandou o texto foi minha irmã. Silvana, eu te amo e reconheço suas boas intenções, mas pelamordedeus!

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Wednesday, October 17, 2007

O que alguns dizem é isso

Eu poderia tentar escrever isso como se fosse um poema épico ou um texto cheio de frases de impacto e floreios ribombantes. Mas como já disse ao relatar o começo da minha viagem à Curitiba, isso não é uma epopéia. Vivemos uma época onde a importância de tudo tem que ser superdimensionada, pois nada mais parece manter sua importância. Daí as hipérboles, os hypes, os excessos, a “emoção” em legendas de fotos do orkut. Tudo precisa marcar e gravar como um efeito de luz, emoção rápida para desfrute imediato, e muitas mentiras para convencer o próprio protagonista que tudo foi ainda melhor que ele se lembra.

Ah, não, o que aconteceu naquela madrugada de 12 de outubro foi um show. Nem um show de rock foi, pois OAEOZ não é uma banda de rock, felizmente. Pois se fosse, não teria sido possível ficar ali, olhando, percebendo, sentindo. Já a partir da apresentação do Gian Ruffato dava pra ver que seria diferente do que muitos podem entender por “show”.

Ora, “show” é um espetáculo, não é? Uma demonstração ferrenha e algo imposta de energia, técnica, recursos cênicos, exibicionismo (por que alguém sobe num palco senão para ser visto/ouvido/apreciado?). Show não tem nada a ver com um garoto desajeitado, de voz lindamente frágil, lavando canções cuja sinceridade poucas almas conseguem resumir, menos bocas ainda conseguem verbalizar. Quem, hoje em dia, consegue fazer uma canção chamada “Reza”, cujo primeiro verso é “hey, Deus!” e se que se encerra com a súplica “por favor, deixe-me descer / na mesma estação / que ela escolher?” Pensando bem, quando foi que você viu alguém fazendo isso?

Já não era mais dia 11 quando OAEOZ subiu no palco. A banda que comemorava dez anos e que chamou Curitiba pra festa, mas Curitiba preferiu dormir. Tudo bem, afinal, “a cidade dorme para eles tocarem”. Muito justo. E nessa Curitiba onde só os personagens de Dalton Trevisan brigam contra o sono, umas quarenta ou cinqüenta pessoas saíram de suas casas para ver eles tocarem “suas” músicas, e vamos aqui acertar a colocação pronominal: “sua”, nesse caso, se refere à canção de cada um dos presentes, o homem triste e cheio de esperança que saiu de casa para ouvir “Meia-Volta”, ou a garota que chorou sozinha escutando “Luz e Sombra”, ou o casal em viagem que não parou de sorrir enquanto “Às Vezes, Céu” tocava no carro. E veja que eu escolhi apenas canções que NÃO foram tocadas, porque sei que aqueles que ouvem OAEOZ incorporam a banda à sua história pessoal.

E assim passaram três canções que me eram desconhecidas (“De inverno”, “Talvez”, “Contato”) até que chegasse a primeira que faz parte da minha história, “Me apaixonei por uma burguesa”, dos meus dias inúteis em Foz perseguindo garotas que me perseguiriam depois, dos meus dias me Taubaté colhendo a ingenuidade de sair com garotas que esperam que você tenha um cartão de crédito possante e um carro veloz, ou o contrário, ou o que for, porque o que elas querem é pose. Tempos distantes, que me trazem risos se ouvidos com a trilha sonora certa.
Agora veja que isso não quer dizer que as três primeiras passaram despercebidas. Minha namorada sentada atrás de mim, querendo aproveitar cada nota do que para ela era o primeiro contato efetivo com um mundo que eu lhe trouxera só em imagens borradas antes. E a essas tantas, Igor Ribeiro de volta aos palcos, segurando sua guitarra de maneira desajeitada, como se o talento que ele tem não fosse para ele, como se ele não se sentisse à vontade com aquilo. Nesse aspecto, ele se parecia com o Gian, brigando para se acertar com seu instrumento e com seu talento que permite que pessoas reescrevam suas histórias a partir de suas canções. Tenho a firme certeza que o Igor ainda não percebeu isso, vendo-o tocar, é impossível não sacar isso. Porque tenho certeza que ele não viu eu e minha namorada cruzando nossos olhares na hora que ele pegou seu trumpete, e largou aquele som que enche nossa casa desde antes de sermos um casal, o som que invadiu o carro dela na primeira vez que estivemos juntos.

Quantos mais dos que estavam ali não tinham pedaços d’OAEOZ em suas vidas, e vice-versa? Veio “Monumentos sem cabeça”, e ao meu lado Reanto Zubek parecia não se importar em estar quase engolindo as próprias orelhas com sua satisfação, enquanto o palco estampava um sorriso beatífico no rosto do Ivan.

Mas você acha que eu conjecturava tudo isso enquanto assistia ao “evento”? Era a banda que me ensinou que “só tenho um dia pela frente” e “isso é o que importa” Então o melhor que eu poderia fazer, a única coisa moralmente digna a se fazer, era deitar no chão e aproveitar aquele momento, vendo minha fotografia borrada em “Dizem”, ou em pé, quase extasiado, na contida versão de “3h30”, incluída no repertório graças a um pedido feito via Embratel quase um mês antes.

Pois é, quase um mês antes, o universo conspirava a favor desse show. Seria algo muito egoísta de minha parte dizer que foi a meu favor exclusivamente. Claro, seria ótimo se mais pessoas compartilhassem daquele momento, se a casa estivesse cheia, se a emoção de “Dias Tortos” pudessem pousar em corações que nunca a ouviram. Mas o tempo já está me deixando entender que as pessoas não querem essa emoção que dói ao ser exposta, preferem aquela que podem expressar com duas palavras fala direto às suas terminações nervosas, não às emocionais. Que uma banda que faz uma canção sobre sua própria amizade e persistência (“Canção para OAEOZ”), sobre a importância que a música tem para eles, uma banda assim não interessa. Uma banda que faz música para ser ouvida, não para ser pano de fundo de escritórios tediosos, cafés-da-manhã de hotel ou mesmo PCs de quem acumula arquivos mas descarta a música, de quem busca paixões mas não consegue cultivar amores e lidar com frustrações. Porque é disso que se trata OAEOZ, e foi isso que tivemos, todos nós, aquela noite.

Noite que terminou atipicamente, nada épica, com amigos e esposas dos integrantes fazendo vocais inaudíveis (microfones desligados?) em “Lembranças (Não Valem Nada)”. Tudo bem, nossos corações se fizeram ouvir.

E tudo terminou com todos eles prostrados, desgastados, sem condições de “pôr um pijama e ir dormir”, como brincava Pete Townshend. Terminou? Bom, os shows (se esse é o nome) terminam. As bandas também. A música e a poesia, não.

Nem a amizade, de quem estava no palco e fora dele.

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Monday, October 15, 2007

Tão perto e tão longe

Não há maquiagem que embeleze quem acordou às quatro da manhã. E cercado de várias pessoas que tentavam ocultar sua feiúra de desgasta natural, aportei em Curitiba, feliz e ao lado da namorada, para passar quatro dias que eu classifico como “inesquecíveis” com a plena certeza de não estar recorrendo a um mero clichê literário.

Foi a primeira vez em que cheguei e saí de Curitiba em boas condições (estava triste demais, ou perdido demais, ou chato demais nas ocasiões anteriores), talvez por mim, talvez pela companhia da minha namorada, mais provavelmente por nós dois e todo mundo que nos acompanhou e acolheu nesses dias.Graças a essas pessoas, nos permitimos “brincar de turistas” pela primeira vez em Curitiba – peguei a afamada “Linha Turística”, ônibus municipal que percorre os atrativos maiores da cidade por uma quantia justa e em boas condições. É uma cidade agradável – certamente não é a Curitiba do Lerner, a tal “cidade-modelo”; nem a “Buenos Aires brasileira” (boa essa, hein?), um recanto europeu no meio de uma fazenda brasileira (OK, o Paraná é uma enorme fazenda, mas de “européia”, Curitiba tem pouco mais que os sobrenomes de seus habitantes e alguns edifícios de arquitetura balcã ou germânica); menos ainda a “Capital Cultural do Brasil”, até porque esses títulos são tão descritivos como “pocilga disfarçada de metrópole”: corresponde só a uma parte da cidade e não revela a complexidade de suas ruas outrora simples, nem da vida que teima em existir entre elas. Digamos que Curitiba não é São Paulo nem Foz do Iguaçu, e isso já me dá motivos para me isentar de julgamentos ao passar por ela recreativamente.

Eu escrevi “recreativamente”? É, os gibis empilhados na sacola jogada ao meu lado enquanto comia iguarias teutônicas no Bosque Alemão (torta de gorgonzola com pêra e biscoitos caseiros de amêndoa para acompanhar) poderiam até sugerir um “recreio”, mas o pátio em que minha alma brincava não era o bosquezinho encenando a delinqüência ludicamente disfarçada de João e Maria*, era algo mais interno, mais profundo, melhor cuidado (pelas mãos da Lidiane e de boas pessoas que por ali passavam) e deliciosamente mais passageiro. Pois lembranças até valem alguma coisa, mas o dia presente vale muito mais, e esse sabor, esse preço, não se igualam às conquistas de concreto e títulos de propriedade.

(*Delinqüentes, sim! Os guris invadem a casa de uma velha, matam-na cozinhando-a viva e depois fogem com sua grana e ainda são saudados pelo pai, claro que é um conto marginal!).

Outros passeios mais, pelo Jardim Botânico (eu sou turista, pô!), pelo Parque Tanguá (um antiga pedreira transformada em mirante aquático, com direito a túnel e outros belos etecéteras), pela Feira da Osório, pelos ótimos sebos (vim com uma carga pequena mas deliciosa de livros & gibis), pelas lojas de roupas e banquinhas de acessórios (a namorada em busca de vestidos & brincos), por livrarias, por ruas, ruas e mais ruas, as ruas que protagonizam os textos de Dalton Trevisan, os poemas do Marcos Prado, os contos de um monte de escritores ruins e as recordações & impressões de gente de todos os tipos. A Curitiba que a Administração Municipal quer que você veja e as outras Curitibas, todas merecendo nosso igual respeito.

=*=

À noite, a charla com nossa anfitriã e amiga Adri Perin quase nos põe em atraso para o show. Ah, eu nem te falei que o pretexto para essa viagem foi o show de comemoração dos dez anos de existência d’OAEOZ, a banda que melhor traduz a sensação de “inadequação pessoal” em música com letras em português. Com a abertura de Gian Ruffato, o garoto violeiro que por anos assinou como Lo-Fi Dreams e agora se assume em sua própria persona frágil, discreta e singelamente brilhante. Você realmente achou que eu ficaria em Foz? Então ou você não me conhece, ou não conhece Foz do Iguaçu.

Mas o show é outra história. Naquele começo de noite, em torno do narguilé, muitas idéias e sentimentos nos fizeram companhia enquanto falávamos sobre essas coisas que realmente importam e que passam rápido. E quem dormia no outro quarto participava do nosso colóquio sem saber, mas ah, como esteve presente!

Claro, chegou a hora do show. Uma hora, as coisas têm que começar, como escrevi no post anterior. E a história desse começo fica pra depois.

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Friday, October 12, 2007

porque assim como tudo termina, tudo também começa

E aí, Foz, como estão seus dias sem mim?

A epopéia –não, não há nada de épico, é só uma viagem – começou 04h30 da manhã e não vai acabar tão cedo. É um processo de revisitar sentimenmtos que já não existem, de ver o que sempre existiu com um olhar novo. Ou em palavras mais caras: é hora de ir pra Curitiba durante o maior, ou ao menos mais proveitoso, cessar-fogo espiritual e pessoal que já tive.

É estar de volta à cidade onde comecei a entender as lições que fazem alguém abandonar a adolescência tardia e ser homem, sentar-me com pessoas que admiro e respeito, e de qosto muito, e poder ter o prazer de ouvi-las sem me sentir deslocado ou sem buscar afetações que maquiem minha real atitude em relação ao mundo. Claro que eu não sabia de praticamente nada disso antes de chegar aqui.

E dessa vez não chego sozinho nem com companhias fantasmagóricas que assombram o coração, mas chego acompanhado de alguém real, que viu parte do inferno ao meu lado, e que compartilhou e até assimilou parte desse inferno, e agora posso dividir com ela coisa que efetivamente conquistei. Alguém com quem posso dividir coisas novas, sem descartar toda a história que existe entre o primeiro encontro num nada prosaico e muito ordinário restaurante por kilo e o momento presente.

São dias onde atravessar uma rua me traz um prazer indescritível e a alegria não vem em explosões, mas em uma espécie de brisa que está ali, dançando no seu rosto enquanto você espera a tormenta passar. Porque ela veio e não irá embora tão fácil. Mas talvez a chuva seja só imaginária e o que me molha sejam só aquelas lágrimas que caíram dentro de mim.

Hoje não tem o que me molhar a não ser uma tentativa de chuva que se insinua em Curitiba.

Pode vir. Não tenho medo algum.

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Wednesday, October 10, 2007

Classificados

ALUGA-SE – Vazio existencial. Amplo espaço sem utilidade, que mesmo assim ocupa grande área. Para qualquer fim que não o tédio agora reinante.

ARRENDO - Sonhos. Muito uso, pouca aplicação prática. Podem ser recuperados.

COMPRO – Nova espécie de paz. Dá-se preferência a uma que funcione. O proprietário já tentou comprá-la de fornecedores religiosos, esotéricos, hedonistas, intelectuais e contemplativos. Nenhuma funcionou a contento, mas ainda se insiste. Negocio preços.

DÔO – Raiva. Não me custa nada, portanto passo sem ágio. Quantidade quase ilimitada. Há contra-indicações. Venha por sua conta e risco.

TROCO – Tédio. Por qualquer coisa que traga algo a mais.

VENDO – Inconformismo burguês. Trata-se de uma combinação bastante comum de valores cristãos superficiais e consciência social equivocada. Acompanha um lote considerável de conformismo. Preço muito baixo devido à grande oferta geral.

VENDO – Alma. Com alguns resquícios de juventude e uma grande porção de insatisfação. A mercadoria está marcada por mágoas e frustrações, mas ainda pode ter uso, se carregada com cuidado. As fartas doses de cinismo podem ter alguma utilidade.

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Tropa de Elite

Assisti Tropa de Elite. Contrariando meus princípios*, comprei o piratinha de R$ 3,00 e cedi à curiosidade motivada pelo comentário geral. É difícil dizer algo sobre o filme que já não tenha sido dito, seja esse “algo” pertinente ou não, mas o filme realmente te deixa com vontade de falar. Porque ele envolve uma série de coisas que são partes inescapáveis da realidade brasileira.
Muito se comenta sobre a violência do filme, pouco se fala sobre os esquemas que sustentam um sistema viciado e ineficiente, e que o filme mostra com propriedade e clareza. Pouco se fala, também, da conivência social por parte das classes altas, que “em tese” repudia a repressão policial, mas pede medidas extremas quando se vê vítima da violência.
Isso me traz à memória uma entrevista que o Laerte deu à Caros Amigos, na qual ele comentava uma série de tiras que ele estava fazendo sobre o desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente: “então, estou fazendo essas tiras, mas entendo que alguém que teve um parente assassinado por um criminoso menor de idade não vai achar graça nenhuma nisso. O meu envolvimento é um, mas de quem está nisso é outro”. E isso muda opiniões e valores, certamente.
Nós, brasileiros, queremos leis, e queremos que elas funcionem, desde que elas não prejudiquem nosso direito de ter mais privilégios e posses que os outros, e que possamos fazer com esses direitos o que bem entendermos. Já dei aulas em favelas e projetos sociais, e notei que a raiva dos jovens quanto aos “playboys” não se traduzia em uma repulsa ao comportamento destes, e sim em vontade de ser exatamente igual a eles. Como comentei uma vez com uma turma: se vocês tivessem grana, seriam iguaizinhos – para a minha surpresa, a maioria concordou! Também já lecionei em colégios particulares e de classe alta, e cada vez mais os garotos bem-nascidos estão assumindo abertamente seus preconceitos raciais e sociais – mas isso você nem precisa ser professor para notar. Basta dar uma olhada em comunidades do orkut como “Odeio pobre” e afins.
Dizer que nossa sociedade é hipócrita é chover no molhado. O que se esquece é que, se a sociedade é hipócrita, é porque ela reflete valores e atitudes das pessoas que a constituem, independentemente de classe social. E o cinismo virou o último refúgio de quem não consegue sair do discurso benfazejo e partir para a prática.
Em conversa com um amigo, jornalista responsável pela editoria política, ele disse: “tô cagando pra política partidária. Pode ser o foco do meu trabalho, mas isso, já percebi, não leva a lugar nenhum. Me interessa muito mais a micro-política, aquelas coisas do dia-a-dia, como o cara trata os filhos, o garçom, como ele se comporta no ônibus. Isso é o que vai mostrar mesmo o caráter do cara, e no fim é só isso que interessa”. Concordo, e vou um pouco além: me interessa também o que o cara faz no seu trabalho, também, porque no fim é isso que azeita a engrenagem e alimenta o motor desse sistema social. Não importa se você é professor, jornalista ou varredor de rua, a tua postura é que vai ajudar a ditar o ritmo das coisas. Não é criando ONG que se muda alguma coisa, nem participando de “projetos sociais” (como eu já trabalhei em vários, e não vi praticamente resultado nenhum – recentemente, trabalhei em um que não fazia mais que preparar uma garotada para dizer “sim, senhor” e se conformar com salários humilhantes).
Esse aspecto do filme chamou muito mais atenção que a questão policial, que não é menos urgente, é verdade, mas me parece ser parte desse sistema maior e mais opressivo. O filme é direitista? É. Reacionário também? Discutível. O filme assume um ponto de vista, e mantém essa referência até o fim. Se ele desperta reações extremadas, a culpa não é do diretor, e sim dos demônios que passeiam na alma de cada espectador.

Porque foto do Wagner Moura já tem demais.



*Meus princípios incluem ver filmes com boa qualidade de áudio e imagem, coisa que os piratas geralmente não têm. Além disso, os extras, via de regra, apresentam problemas ou simplesmente não funcionam. Ou eu é que sou muito azarado.

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Sobre o cinismo

E se Romeu e Julieta não tivessem se suicidado e pudessem ficar juntos? Felizes para sempre... ou não? Se eles tivessem fugido e largado sua Veneza, como que a adolescente Julieta, protegida toda a vida dentro de seu feudo, teria reagido À vida estradeira daqueles tempos não-motorizados e cheios de riscos eminentes? Como Romeu, impulsivo a ponto de abandonar uma paixão pela qual jurara amor eterno num dia e propor casamento a uma outra guria no dia seguinte, reagiria frente às tentações de mulheres mais experimentadas, mais sedutoras, mais cruéis? O sustento do dia-a-dia tendo que ser providos por eles, jovens desocupados de uma nação rica que nunca tiveram mais o que fazer a não ser brigar com famílias rivais, sonhar em seus quartos e se drogar ocasionalmente – isso não desgastaria suas juras cândidas, revelando-as inconsistentes?
Já se disse que o cara que criou o chavão “... e viveram felizes para sempre” nunca foi casado. É uma assertiva divertida e bastante pertinente, mas não deixa de ser cínica. E o cinismo me parece o refúgio mais acessível para aqueles que não conseguiram sustentar suas crenças juvenis. Difícil é rever seus valores e estabelecer novos sonhos, novas metas adequadas à realidade e a tua condição de não-salvador benemérito do mundo, mas sem escorregar na depreciação das próprias conquistas nem ceder ao corporativismo das relações profissionais e pessoais.
Nós temos uma cultura “artística” que glorifica a fuga como meio de solução dos problemas, mas os filmes nunca mostram o jovem ousado e sonhador se estabelecendo na cidade para a qual fugiu, tendo que experimentar na carne o resultado da sua decisão. Eles mostram os amantes acelerando em direção ao sol, mas não exibem suas patéticas brigas por uma panela suja entulhando a pia, ou o ciúme inconsistente por um(a) colega de trabalho, ou o tédio de uma semana atarefada de trabalho e vazia de contatos. Eles mostram o pai se redimindo de uma cagada e buscando se aproximar dos filhos, mas não nos deixam saber quanto ressentimento ficou guardado no coração das crianças.
Dary Jr. escreveu uma de suas melhores letras para a canção “Chance”, na qual canta que “a vontade de fugir é sempre medo de ficar”. Não que ninguém precise ficar se auto-imolando na frustração a vida inteira, mas, se a sala está empoeirada, não adianta varrer a sujeira pra debaixo do tapete. Tem que tirar o pó, recolher com a pá e despejar no lixo, e só aí dar o serviço por terminado. Tem que jogar o jogo até o último gol, porque se você sai antes, sempre vai ficar com o maldito “e se...” atormentando tua cabeça. Fora o derrotismo, que certamente vai se sobrepor a qualquer outro sentimento.
O cinismo está aí; são cínicos esses nossos dias, e por muito o serão. Mas ainda acho que vale a pena arrumar a casa antes de sair. A fuga não resolve nada, porque o rastro de merda te acompanha pelo trajeto. Já que há um milhão de coisas nessa vida que nunca conseguiremos fazer, creio que compensa fazer bem feito as poucas que conseguimos.

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Monday, October 01, 2007

Deus abençoe Cheri Caffaro!

Um camarada precisa ser muito freak para saber quem é a Cheri Caffaro, mais ainda para admirá-la. Pois é, eu sei e admiro. Cheri foi atriz nos anos 70, a época em que os filmes que exploravam temas “polêmicos” se assumiam como mera exploração comercial (ao contrário de hoje, onde eles se mascaram sob uma aura de “filme de arte”, gerando merdas como Irreversível e Nove Canções). Eram os tempos do blaxploitation, gorexploitation, sexploitation e outros. A Sra. Caffaro honrava esse lado sexual, abusando nas cargas de permissividade, bondage, maquiagem e putice descarada. Enfim, um modelo de mulher!


Na série filmíca Ginger, ela teve seu auge (!), vivendo a espiã que se via nua, amarrada, amordaçada e abusada a cada dez minutos de película. Nos outros dez, ela não estava imobilizada, mas dava de bom grado e com muita vontade. Ou então chutava o saco de algum capanga de um chefão do crime, todos – o chefão e seus asseclas – caricaturas do “macho asqueroso”, seres prepotentes e que abusam da força física, mas que não passam de macacos que podem ser facilmente “adestrados” por mulheres – naturalmente mais capacitadas que eles. Com isso, Caffaro e seu marido Don Schain – que dirigiu todos os seus filmes e adorava filmar a mulher pagando de puta – ganharam a ira das feministas, que viam na personagem uma espécie de glorificação da mulher que só tem poder através do sexo. Bom, se fosse essa a intenção do casal, não estariam de todo errados – basta ver o caso Renan Calheiros / Mônica Velloso para comprovar o pussy power, só para ficar em um modelo óbvio e atual. Mas nem era isso, a intenção era chegar a uma espécie de girl power mais liberal e safadinho. Sei lá se surtiu efeito (a julgar pela geração de mal-comidas e reprimidas, não), mas que foi divertido para eles e para vários espectadores, ah, isso foi!


Graças à internet, seus filmes passaram de raridades disputadas em sebos para arquivos facilmente disponíveis em eMules e bitTorrents da vida. E foi graças a eles que eu consegui ver os três filmes da série: Ginger (1971), The Abductors (1972, o único que tenho comigo ainda) e Girls Are For Loving (1973). As tramas não passam de pretexto para a putaria, como convinha à época. Ainda assim, The Abductors se destaca por ter mais nudez (inclusive masculina, numa cena pra lá de constrangedora), mais fetiche, mais violência mal-coreografada e mais explosões. Dá pra ver que Don ganhou grana com o primeiro e se empolgou, gastando no segundo e no terceiro uma verba bem maior em efeitos especiais e chamando coadjuvantes mais gostosas (entre elas, Jeramie Rain, a meliante de Last House On The Left e futura senhora Richard Dreyfuss, e a lindíssima Laurie Rose). Em Girls..., dava pra ver que ele já estava cansado da própria fórmula e, talvez por isso, talvez por ceder à pressão dos “grupos de defesa das minorias”, tenha feito A Place Called Today em 1972, um filme pesado, sem nada do humor e desencanção que guiaram sua "trilogia', abandonando de vez as espiãs taradas e entrando na questão racial, com direito a ódio, estupro e agressão filmados em detalhes. Esse não vi inteiro, somente trechos, mas foi o suficiente para desanimar.

Depois disso, não se ouviu mais falar de Cheri (atuou em mais uns três sexploitation flicks e sumiu), e Don foi trabalhar de produtor de TV, chegando ao ponto de ser um dos responsáveis por High School Musical (!). E nunca mais se viram filmes mainstream assumindo às claras seus fetiches e pirações com senso de humor e espontaneidade (ah, e foi tudo na era pré-silicone!). Triste fim para uma parceria gloriosa, que celebrava com alegria adolescente o sex power, tanto do ponto de vista feminino como do masculino. Por isso, Cheri é minha heroína secreta, por ter tido a coragem de encarnar esse espírito de “autonomia putanheira” com tanto... afinco.
Nessa onda de remakes, estou certo de que ninguém vai refilmar nenhum filme da série Ginger – tempos sombrios e sem humor esses, em que Borat é considerado a melhor comédia do ano e até Dukes of Hazzard ganha releitura (o próximo deve ser Chips, com dois zes-manés bonitinhos fazendo Baker e Ponchiarello). Azar. A internet garantiu a eternidade para Cheri. Amém.



Como é que o Fausto Fawcett não fez música pra essa loira?

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Neutral Milk Hotel



Não sou de propagandear discos em mp3 porque é melhor ouvir o disco na íntegra, com encarte, blábláblá... você já ouviu a cantilena. Mas quando meu "fornecedor" disponibilizou esse aqui, tive que compartilhar com quem interessar.



Produção lo-fi, violões, sopros, embalos entre o folk, a melodia pop sem refrões e o sacro (sério! Eles se permitem até cantar "I love you, Jesus Christ"). E a voz é deliciosamente desafinada, com aquela interpretação cheia de sentimento de quem está envolvido no que canta (para não usar a expressão "emocional". "Impenetrável, mas acessível", diz o All Music Guide, e eu quase concordo.



Se quiser conferir, é só vir aqui.

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