Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Friday, August 31, 2007

Adesivos

Mais uma do grande Márcio Américo. Tomei a liberdade de corrigir uns errinhos de digitação. Mas na sagacidade do cara não me atrevo a mexer!

BABY ON BOARD

Acho que tudo pode ter começado com aqueles adesivos “bebê a bordo”, que por sinal aparece num episódio dos Simpson, Homer faz uma musica cujo título é baby on board. Mas como o ser humano não se contenta com pouco, a coisa vem crescendo assustadoramente e o que era pra ser só um adesivo chamando a atenção dos motoristas temerários de que naquele bólido havia um bebê, transformou-se numa espécie de identidade, mais que isso, transformou-se numa falsa identidade, como se todos os motoristas tivessem um personagem que pode ser identificado apenas através do tal adesivo.
Sou católico”- O sujeito precisa avisar que é católico, ele é identificado como católico através de um adesivo, não pelo seu modo de dirigir, de estacionar, de tratar o garçom, de ver tv, de votar, de lidar com a família, de respeitar opiniões alheias, de ser tolerante, ele é identificado pelo adesivo, assim como o Batman é identificado pela capa. Outro dia vi um Chevette caindo aos pedaços com um adesivo “propriedade de Jesus”... Jesus não pode reclamar, ele nunca teve um meio de transporte decente, lembram-se do jumento?
Amo minha esposa” Que porra de adesivo é este? Por que o cara precisa dizer que ama a esposa? A esposa dele é assim tão intratável, tão baranga, que só mesmo com um adesivo destes pra gente acreditar? Fico pensando, o que um sujeito deste espera que eu pense dele? Oh! Aquele cara ama a esposa dele, acho que vou seguí-lo... A partir de agora ele é o meu deus e quando eu morrer vou deixar meu álbum de figurinhas Pantanal pra ele... Será que a esposa compactua com isto? Será que no cabeleireiro ou no psiquiatra ela comenta: Mal amada? Meu marido me ama... olha lá o adesivo no carro dele...
Por que é que um sujeito destes não ousa usar um adesivo dizendo: amo ver a bunda das mulheres na rua, amo ver mulheres marcando com as pernas entreabertas, amo mulher bonita, amo rabada com polenta, amo coçar o cu...
Dirigido por mim guiado por Deus” Primeiro a pessoa faz uma distinção catedrática da palavra dirigir e guiar... em seguida joga nas costas de Deus a responsabilidade toda. Ora, Deus não vai poder se manifestar em casos de acidentes, a fala dele não conta como testemunho, mesmo assim insiste que Deus é o guia... E se houver um acidente, furar sinal vermelho, atropelar um Office boy, fechar uma freira, parar em cima da faixa de pedestre? Deus será multado? Porra, Deus deve ter acumulado tantos pontos na carteira que atualmente não tá podendo guiar nem o Espírito Santo... Mas espera aí, se não é Deus quem ta guiando, quem é então?
Consulte o Advogado” - Isto é uma ameaça? Porque é que eu tenho que consultar um advogado? Eu não quero papo com advogados. Alias, eu quero distância de advogados, rábulas, juizes, promotores, qualquer coisa que seja uma extensão do curso de direito. O que é que o sujeito que usa um adesivo destes pensa?
_ O cara ai de trás vai ligar pra mim... olha ai meu celular tocando.. alô? AH! Sim, o senhor está no carro de trás... tô vendo... tô vendo.... o adesivo? Sei... desculpe? Enfiar onde?

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Thursday, August 30, 2007

Comentem vocês. Eu nem tenho o que comentar.

Clique para ampliar as imagens.


Também sobra para a "umbanda"...
E o melhor de todos...


Imagens a mim enviadas por André ZP, teólogo proscrito.

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Saturday, August 25, 2007

Com vocês, Rubens K

Acordei com vontade de ouvir música em espanhol. É uma bela língua, o espanhol.
Imediatamente penso nas espanholas. Espanholas morenas, irrequietas, com uma
personalidade do cão - cadelas teimosas. É assim que vejo as espanholas. Não sei
se lembro de alguma que não seja morena. Não deve existir essa mutação. Quando
aumentei o volume, um debilóide ficou gritando na mesma intensidade do som.
Aumentei mais ainda o volume. Aumentaram os gritos e agora uns gemidos também se
juntaram ao resto da ladainha. Desliguei o som e bati na porta do filho da puta.
Quem atendeu era mesmo um debilóide, um retardado. “Os gritos” eram ele
cantando. Fiquei desconcertado. Não tinha mais ninguém ali, então não falei nada
e fui embora. Não liguei mais a música também. Lembrei que quando eu era
pequeno, oito anos, sei lá, tinha um desses caras no colégio. Não na minha sala,
mas estudava junto com os caras do primeiro ou segundo ou terceiro ano. Todo
mundo olhava o garoto. Ele era mesmo diferente. Tinha um monte de problemas com
o lanche, com o material, com todo o mundo que o cercava. Ele tinha um amigo. Um
negrinho que ficava o intervalo todo ao lado dele e ajudava com as coisas. Que
dupla. Bom, o garoto me parecia forte. Tinha uma cara que destoava de todo o
resto, mas me parecia bastante capaz de enfrentar quem atravessasse o seu
caminho. Na verdade ele mais assustava do que outra coisa. Dele saiam uns gritos
agudos de felicidade ou o que quer que seja, quando ele parecia feliz com alguma
coisa. Eu o evitava por não saber lidar com aquela criatura. Não podia prever
o que faria e isso me deixava em desvantagem. Uma vez, no pátio, ele agarrou uma
menina, uma das bem bonitas, por trás, mas logo soltou e saiu correndo como um
louco pro outro lado. O negrinho foi atrás dele. A menina ficou horrorizada. Foi
a gota d’água. Chamaram os pais do garoto e forçaram a transferência do
“monstro” pra outro lugar, um mais apropriado pra caras como ele - lembro que
foram as palavras da época, mais ou menos. Hoje quando dei de cara com o
retardado, lembrei do cara da escola. Fiquei pensando no que ele fez. Não foi
nada rude, não foi agressão. Acho que na verdade ele gostava dela, achava ela
atraente - como qualquer outro garoto da escola. Ele só foi mais corajoso que o
resto de nós.


(Para quem não conhece: www.rkjazz.wordpress.com. Rubão é baixista do Terminal Guadalupe e da This Charming Band, além de ser um dos melhores escritores dessa Terra. Compila seu material e lança um livro, porra! A rapaziada quer ter esse material na estante!)

Friday, August 24, 2007

Mais uma do Laerte

A felicidade é um comercial de cerveja

A felicidade é como um comercial de cerveja
É alguém sentado em frente a um micro esperando pelo momento que fará dele “um escritor”
Perante os olhos do público e as palavras da crítica, menção na Caras incluída

A felicidade é a contemporaneidade
É seus amigos todos ao seu lado, sentados e tomando cerveja e whisky
Sem nem saber porquê

A felicidade é a utopia da casa-emprego-família
Financiamento-aprovado-e-casa-na-praia se Deus quiser
Enquanto a depressão vem de não ter a grana pros livros e pras festas
Enquanto a tristeza continua sem ter o que comer
Se alimentando dos restos de sonhos de quem já não consegue mais se deprimir

A felicidade está aí, em algum lugar,
Esperando para ser comprada pelo cliente preferencial com cheque especial
É sua pornografia no armário ou nos seus arquivos em CD-Rom
Ressuscitando burocraticamente seu falo sacrificado

Jesus traz a felicidade até você
Mas ele não aceita cheque sem fundo nem boas ações
Só quer dinheiro vivo e cheque da praça
E o inferno e a tristeza aguardam os que não pagarem

Sua mãe vai trazer até você
Mas ela vai encontrar em você um filho que fracassou no melhor intento de ser ninguém
E conseguiu menos que isso

Aí você venderá tudo o que tem
E sairá confuso, por aí
Tentando se achar
Ou subir um nível (“melhorar de vida”), o que vier primeiro

Aí, no meio de todos os seus erros,
Quando você se ver num bar de “público selecionado”
Rodeado por sorrisos que não são para você nem por você, mas estranhamente vão em sua direção
(E todos parecem tão sinceros!)
Você vai descobrir
Ao olhar as horas no seu celular de preço de quatro dígitos
Tirado do bolso da sua calça Forum comprada no free shop
Que a felicidade é mesmo um comercial de cerveja

(pequenas chupadas de outros autores inseridas no texto. Quem notou, pode reclamar os créditos que eu assumo. LV)

Thursday, August 23, 2007

Nossa vida não cabe numa trilha sonora

... mas tem quem tente, e consegue chegar perto de concretizar a façanha. Veja o Mário Bortolotto, por exemplo. Uma peça dele foi adaptada para o cinema, e ele ficou encarregado da trilha. Além de três temas do Tempo Instável, sua banda de blues, o cara dourou a película com canções de Patife Band, OAEOZ, Cascadura e La Carne. Vou repetir para você ler bem devagar e processar: Patife Band, OAEOZ, Cascadura e La Carne na trilha do mesmo filme. Nhé.

A criança se chama Nossa Vida Não Cabe num Opala, e deve estreiar agora em setembro. É nóis na fila!

E por falar em Bortolotto, ele costuma colocar grandes textos (e algumas bobagens) em seu blog. E por vezes, até os comentários saem como jabs literário-pessoais. Veja só esse:

Felicidade não é só realizar sonhos. E às vezes você realiza e sabe que a tristeza vai ser eminente mesmo assim. Quero deixar claro que esse não é um texto de lamento. Eu sou o que sou e gosto de ser assim. Tristeza faz parte da vida. Não vou tomar nenhum anti-depressivo por causa disso. Me sinto "tranquilo" mesmo quando estou triste. Ou como diz o bluesman: "o que é o blues senão um bom homem se sentindo mal".

Então. Esse foi tirado das respostas aos comentários sobre o texto Take It Home. Visite o blog e confira-o na íntegra!

Wednesday, August 22, 2007

Callejeros.

Realmente não dá para entender como a gente acaba gostando de certas bandas. Não se trata das bandas boas que tem aquele je ne se quois (chique, hein?) que te seduz, te encanta e/ou te envolve, mas sim de bandas ruins. Ruins não no sentido trash da coisa, mas no aspecto “mal-feito” mesmo. Músicos ruins, soluções nada criativas, texto pobre, clichês assomados, e ainda assim, você gosta, e muito.
É o caso dos Callejeros. Hoje de manhã me sentei para corrigir umas redações de uns alunos e deixei uma coletânea que fiz deles soar pelas caixas enquanto executava minhas obrigações. Estão lá os elementos que sempre fizeram parte de sua música: as guitarras que se revezam entre clichês stoneanos e os momentos mais pastéis dos datados Creedence e Los Redondos, as letras cheias de reflexões pós-juvenis (cuja poesia segue métrica e estrutura idem), o saxofone quase onipresente com timbres adulterados... E ainda se trata da banda que meteu mais gente que podia numa casa noturna (quase 4.000 pessoas num local onde só cabiam 2.800) e acabou sendo co-autora da maior tragédia do rock mundial: o incêndio de Cromañon. E que depois tentou se eximir da culpa, arrogando-se a imunidade de autoproclamados mártires roqueiros vitimados pela crueldade da opinião pública...
Só que tem algo na música desses faloperos que me prende. Não sei se são as letras impregnadas de misticismo cristão anti-religioso, já que saí da igreja mas não consegui tirá-la de dentro de mim; ou se é a voz e a interpretação poderosas de Patrício Fontanet, que empresta emoção e autenticidade até a uma bobagem constrangedora como “Imposible” (desgraçadamente, uma das minhas preferidas). Ou talvez seja a tal inquietação de eterna indecisão juvenil dessas crianças que não crescem, mas pegam os piores vícios dos adultos, como a mentira, o cinismo e a apatia; de quem sabe que isso é uma merda mas não consegue ter um comportamento diferente, e acaba agindo como quem mais acha que pensa e mais crê que faz.
Sim, eles traduzem isso com precisão avassaladora (no sentido de formarem vassalos). Sim, eles são vazios, mas cheios de pose e disfarçada alegria, mais ou menos como eu sou. E sim, eles têm culpa no cartório e não assumem, preferem ficar com um discurso arrogante que lhes poupa o direito de se autocriticar – como eu fiz por muito tempo.
Talvez chegue o tempo em que os Callejeros me soarão como uma daquelas bandas que você escuta quando moleque mas que depois não consegue “revisitar” nem como nostalgia. Porém, uma audição desprevenida deles ainda me pega, ainda me comove. E ainda me espelha.

“Sólo como um pájaro que vuela em la noche livre de vos
Pero no de mi
Vacio como um sueño de un amor ralleno de nada
Sin saber dónde ir
Duro como un muerto sin tumba
Que murió de medo por el valor de vivir”.

(“Una Nueva Noche Fría”, canção do clip acima).

Saturday, August 18, 2007

Henry David Thoreau

Henry David Thoreau escreveu A desobediência civil, a bíblia do pensamento anarquista, que acabei de ler recentemente. Impressiona sua profundidade de raciocínio, colocada de forma concisa e clara, e impressiona mais saber que sua idéia básica – o homem não se sujeitar à normas arbitrárias simplesmente porque um governo assim as estabeleceu, independentemente de valores e juízos – ainda não foi entendida. Mas o que me pegou ainda mais foi o “texto bônus” que veio na edição da L&PM, Leituras, um ensaio sobre o potencial revolucionário e o prazer advindo do estudo dos clássicos da literatura. Sob uma forma aparentemente conservadora, Thoreau legou um texto ainda mais inconformista e rebelde que a obra que o celebrizou.
Thoreau escreve que “nem todos os livros são tediosos quanto seus leitores. Provavelmente há palavras que se aplicam exatamente à nossa condição, e que se pudéssemos realmente escutar e compreender, seriam mais salutares a nossas vidas que as manhãs ou a primavera, e possivelmente dariam um novo aspecto à face das coisas”. Isso viria a partir da leitura de Homero, Ésquilo, Dante, Shakespeare, Zoroastro. Pedância, poderiam dizer alguns, mas o “ermitão social” Thoreau usa aqui a mesma eloqüência e o mesmo raciocínio aguçado presente em sua opera mater, com resultados mais eficazes e, certamente, mais arrebatadores. A utopia pessoal assume o lugar da social, e a partir daí, é mais fácil crer que a sociedade poderá ser diferente.
Thoreau não passa nem perto de cair no sofisma de que “quem lê é uma pessoa melhor”, nada disso. Um dos primeiros parágrafos traz uma ressalva fundamental: “os livros devem ser lidos tão deliberada e reservadamente quanto foram escritos”. Não é a simples leitura que traz algum benefício, mas sim o estudo, a reflexão reservada, o pensamento além da dialética, que garantem a chance de algo melhor ser formado em alguém. E com esse pressuposto, o escritor – já nos idos de mil oitocentos e alguma coisa – escancara a promiscuidade dos investimentos públicos, citando que em sua cidade, dezessete mil dólares haviam sido gastos em uma nova Câmara Municipal, porém o Liceu não recebia mais que 125 dólares anuais. Sobrava também para cânones de sua comunidade (Concord, Massachussetts), com pastores, pedagogos e conselheiros municipais sendo destitulados de sua presumida superioridade moral e intelectual, ganha na base do grito e do status social.
Thoreau é leitura fácil, mas nada superficial. As páginas dos dois manifestos involuntários contidos neste livro se sucedem sem urgência mas com prazer, se inculcando aos poucos naquela área ainda não acometida pela indignação burguesa e pela caridade cristã. E produz efeitos imediatos – alguém tem a Ilíada para me emprestar?

Moralismos

A idéia do texto nem é minha, é do Veríssimo, e a retórica provavelmente é anterior até mesmo à existência dos meios de comunicação em massa. Mas pense: por que é indecente que a televisão mostre um corpo nu e sadio, mas pode mostrar um corpo cravado de balas no horário do almoço (como faz o Naipi Aqui Agora, apocalíptico programa “jornalístico” de Foz do Iguaçu e região transmitido pela SBT-Tarobá)?
Uma mão acariciando um seio ofende às pessoas de todas as idades, mas um punho desfigurando um rosto aparece até em desenhos infantis. Discutir sexo abertamente só é permitido depois das 23h, mas cenas de tortura e filmes com maquinações de crimes vão ao ar no horário em que as crianças estão em casa. O comediante Lenny Bruce tinha uma esquete na qual dizia que um travesseiro colocado embaixo do corpo de uma mulher para facilitar-lhe a penetração não poderia sequer ser sugerido na TV, mas o travesseiro sufocando uma pessoa aparece em qualquer soap opera.
Pois é, nossa dita “cultura cristã” tem dessas aberrações. Ou talvez a cristandade não tenha nada a ver, já que países muçulmanos, hinduístas e budistas parecem padecer do mesmo mal. Só queria saber porque o sexo é um tema tão incômodo, tão agressivo, tão digno de repulsa. Isso – segundo indicam os registros históricos – desde os tempos em que Demóstenes saía de seu barril para orar em público.
Recentemente, uns poucos alunos meus (de um dos cursos que dou aulas) foram reclamar à coordenação que “falo demais de sexo e bobagens” em sala. É uma sala de 37 homens e três mulheres. Nenhuma das três gurias (nem seus respectivos namorados, que lá estudam) reclamou. Dou aulas de Comunicação Social, e dados do relacionamento humano funcionam como exemplos ilustrativos ou pontos de referência. Inclusive o sexo. Ainda que a queixa não fosse uma hipérbole, poderia se cobrar uma postura mais contida minha se trabalhasse com crianças. Mas nenhum aluno é menor de 17 anos, e o queixosos, em sua maioria, já passaram dos 25 faz tempo. Talvez seja interessante notar que são todos militares e/ou evangélicos. Era de se esperar.
Que fiquem então, brincando com seus fuzis e suas cruzes. Cada um usa o falo que tem.

Monday, August 13, 2007

Dose Radical

Temos uma diarista que faz limpeza semanal em casa, às quintas-feiras. Evangélica, a Cleusa sempre deixa o rádio sintonizado numa estação gospel trinacional (Paraguai/Brasil/Argentina). Nas primeiras vezes, quando eu chegava em casa na hora do almoço, não conseguia distinguir se a voz feminina que saía pelas caixas estava falando de Deus ou estava possuída pelo Tinhoso, dado o volume ensurdecedor e a rapidez fanático-débil mental com a qual ela cuspia as palavras, enroladas de língua inclusas. Só percebi que não era possessão quando distingui os incontáveis erros de português – o Diabo, como se sabe, é letrado e prima pela sofisticação, se formos levar em conta a Bíblia, a literatura de terror antiga e os filmes de Hollywood.
Mas esse não é o ponto principal. O mais legal de tudo está no programa Dose Radical, dedicado ao público jovem. Uma voz “animadíssima” anuncia o programa “para você, jovem, que curte a vida radical no Senhor”. Ou algo assim. As músicas que embalam o programa envolvem todos os estilos: hip-hop. R&b, hardcore, metal de arena, indie pop (sério!), rap de vozes e bases graves, charm, axé, gauchesco, lambaeróbicos, tecno-dance de FM padrão, gauchesco, etc. Todos com letras que condenam “a vida do mundo” e glorificam o “Christian way of life”, é claro. O assim chamado gospel, tal como se entende hoje em dia.
Porém – e sempre há pelo menos um porém nesses casos – por que eles condenam tanto a vida mundana e se valem dos mesmíssimos recursos desta para atrair novas ovelhas para o rebanho? Por que aquilo que é digno de ojeriza se torna imediatamente santo só por ter as palavras “Senhor”, “Cristo” e “Espírito Santo” no meio?
Dia desses, flagrei um aluno meu com um livro chamado Fala sério: é um crime ser diferente? (acho que era isso), cujo autor era um missionário da Canção Nova chamado Diego Fernandes – ironicamente, homônimo do criador do muito mundo e divertido Gordurama. O livro versava sobre o direito dos jovens de não participarem da sociedade de consumo. De não serem levados pela propaganda e pelo senso comum. Até aí, estava bacana, bem-ponderado e etc. Havia até um ponto de vista interessante, onde se falava do sexo caindo no vazio por ser adotado como meio de salvação individual – é bem provável que vários de nós já tenham vivido só para trepar e, convenhamos, acaba resultando num puta tédio interior, ainda que a paudurescência desobstrua as veias e faça bem para a saúde. Enfim, o livro tinha o que você esperaria de um livro escrito por um “missionário”. Mas depois entrava na elegia ao sexo pós-marital como um atalho para o paraíso ou até mesmo uma maneira de “comungar do amor de Deus a dois”.
Peraí, essa parte eu não entendi muito bem. Os laços do matrimônio transformam o sexo em benesse, sem esses laços é sujo, feio, garante o inferno e pode dar câimbra? Deus vai estar presente para um ménage a trois na hora do fincâo? Descartando essa última hipótese, bizarra demais até para mim, ficamos com a primeira, cuja retórica é igualzinha ao papo da rádio: faça-se o que bem entender, contanto que haja uma benção divina antes. Deus aprovou, tá valendo. Senão, caos e danação.
Quando eu chamava os religiosos de “burocratas de Deus”, não esperava que eles fossem chegar a esse ponto. Dessa forma, eles dão a Deus a autoridade que os generais das ditaduras militares queriam dar a si próprios: o direito de interferir na intimidade do cidadão. Não entra na minha cabeça como que as coisas ditas mundanas (e existe outro mundo além desse?) podem ser tão sujas, mas se tornam miraculosamente boas (e prazerosas, conforme palavras deles próprios) graças à permissão divina.
Creio que a responsabilidade dos atos de cada um está em si, e não numa entidade superior – aliás, como esse povo gosta de culpar Deus e o Diabo por tudo, né? E nem vamos entrar no mérito da mentira que é a promessa de prazer eterno e transcendental no sexo após o casamento, nem nas muito prováveis frustrações que virão de tal falácia. Só queria ir a uma das festas (ou melhor, baladas!) que o Dose Radical promove e ver como a “juventude cristã” dança. Como alguns de meus alunos “cristãos” são fascistas de marca maior, imbuídos de um consumismo de envergonhar o casal Barbie e Ken, a putaria deve ser melhor que baile de Carnaval da Ilha Porchat!

Choconhaque

O frio deu uma trégua em Foz do Iguaçu, mas durante umas boas semanas (creio que mais de umes) caprichou na intensidade. Nesse meio tempo, deu para experimentar empiricamente variantes do tal choconhaque (chocolate + conhaque), iguaria cobiçadíssima nas épocas em que eu rondava por Campos do Jordão. Vamos então, ao “modelo básico” e às versões:
Ingredientes:
Leite
Chocolate em pó solúvel (tipo aquele “chocolate do padre”)
Conhaque (pode ser até um Presidente, por que não?)
Leite em pó
A medida é meio no “olhômetro”, mas dá para dizer que, para cada xícara de leite, vai um pouco menos de meia xícara de conhaque – isso se você quiser uma bebidinha para dar uma aquecida nos brônquios e uma limpada na garganta. Jogue tudo na panela com o chocolate (pelo menos duas colheres de sopa cheias para cada xícara) e o leite em pó (uma colher de sopa rasa), e não pare de mexer. Conforme a ferventação começa, o álcool vai se evaporando (mas não totalmente), tirando parte do potencial “chapativo” da coisa e podendo ser dado até ao seu filhinho de oito anos. Quando a mistura começar a chiar (quase ferver), tá no ponto para ser servido.
Na falta de chocolate em pó, pode usar um achocolatado tradicional (Toddy, Nescau, essas coisas), mas em proporções um pouco menores... a não ser que você goste de bebida muito doce!
Se o doce for mesmo sua praia, uma sugestão mais saborosa e engordativa: deixe o chocolate em pó tradicional mas substitua o leite em pó por leite condensado. Só não me culpe pelo entupimento das suas artérias.
Quanto ao conhaque, claro, fica à sua escolha a dosagem e a qualidade. Vai depender de seu paladar, sua paciência e seu bolso. Mas se você mora em algum lugar que tenha Bailey’s baratinho (um creme de uísque que aqui na fronteira custa na faixa de vintão a garrafa), ele fez às vezes do conhaque com honra!
Recomendado para: agradar a namorada, para fim de noite com bolacha Maisena ou para ser sorvido na tranqüilidade de seu lar, solitário lar.

PS: meu pai já está fora do hospital.

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Thursday, August 09, 2007

Benção, pai.

Nunca escrevi nada que preste estando sob o efeito de drogas. O primeiro texto que escrevi sob efeito da cannabis é tão risível que guardei a piada só para mim. Sob álcool, então, não redigi uma única linha que prestasse, embora tenha incluído um ou dois poemas juvenilmente alcoólicos em meu livro, o longíneo As Pérolas que Enriquecem os Porcos. E agora, sob o efeito de umas essências árabes, estou aqui, na noite quase fria de Foz do Iguaçu, envolto entre os fantasmas da minha vida e o receio da morte do meu pai.
Meu pai vai para a mesa de cirurgia amanhã (hoje). Vai passar por uma cirurgia simples nos testículos – o foda é a anestesia. O velho já agüentou sua cota de enfartes, um derrame ocular (não me peça pra explicar) y otras cositas más. O velho dele tentou dar cabo nele. É bem por aí. E isso nem é o começo, nem o fim.
Meu pai já passou por muitas. É um homem crédulo, inocente e até meio tolo, sob uma fachada de respeitabilidade e dureza. Não que ele não seja digno de respeito. Porra, claro que ele é! Mas o seu Hélio já aprontou as dele, e não estou falando só de inconseqüências adolescentes. Meu pai já magoou, involuntariamente, seus filhos. Já falou muito que não deveria ser dito, já falou muita besteira. Pegou pesado, bastante pesado, vez ou outra. É pouco transigente, bastante teimoso e nada fácil de lidar, mais ou menos como foram (são) seus cinco filhos, eu incluído. Mas também carrega uma doçura e um peso nos ombros que não é só bagagem. Assim como seus filhos também.
E, claro, o velho não vai ser eterno. Ele não vai durar para sempre. Não vai ter tempo de ver todas as outras cagadas que seus filhos vão cometer, não vai poder saber tudo o que a gente pensa, não vai ter a oportunidade de conhecer todos os nossos pequenos fracassos ou grandes vitórias. Ele já enterrou um filho, e pode bem ser que ele sobreviva a essa paulada (a reação dele à anestesia é o que preocupa a nós, familiares) para enterrar outros. Mas o receio fica. Somos todos humanos, e eu não sou menos que os outros.
Só que é complicado, cara. Muito complicado. Complicado você ser um cara que passou por umas e outras para provar pro velho que você era digno do amor dele. Complicado você ser um cara que ainda acredita em família, mesmo a sua e a dos outros não sendo nenhuma maravilha. Complicado principalmente porque você sabe que muito do que você é se deve ao fato de ter tido essa família, que se legou uma ou duas zicas difíceis de lidar, legou um tanto muito maior de coisas que te fazem feliz e em paz contigo mesmo.
Eu estou com medo. Estou tenso, apavorado, tentando dissimular e obviamente não conseguindo. A tal da morte faz parte da vida de qualquer um. Já dizia o Luis Fernando Veríssimo que “o homem não é o único animal que morre, mas é o único que pensa que é eterno”. Pois é. Deve ser um consolo legal. Mas é um consolo que eu não tenho mais. Claro que eu quero que exista alguma vida depois dessa, e espero muito que essa vida seja boa. E, porra, claro que eu penso que, se houver tal vida, meu pai merece tapete vermelho antes de entrar nessa. Com todas as cagadas que ele fez. Não sei se fiz mais, ou piores. Mas o velho fez as dele. Isso não tirou em absolutamente NADA o mérito das outras coisas que ele possa ter feito, e que efetivamente fez.
Acho bisonho, péssimo, essa coisa de querer se acertar com alguém antes do momento fatal (ainda que seja possível que o velho saia da sala de cirurgia saltitante e rebimbando de felicidade. É o que eu desejo). Nada do que está escrito aqui foi omitido do meu pai. Disse tudo isso para ele, talvez com outras palavras, mas disse. E disse pra ele também o tanto de coisas que julgava NECESSÁRIO dizer, muito mais coisas boas que ruins.
Mas não é questão de querer “me acertar”. É só sofrer por antecipação, ter medo, essas coisas tão humanas. Cara, é horrível e maravilhoso se sentir tão humano assim. Vou te dizer: não é hora para filosofar, não estou no clima para filosofar. É hora só de parar e pensar que, pô! Essa vida passa depressa demais. Poucas coisas duram, e a maioria delas não duram o quanto você queria. Você nem CONSEGUE fazê-las durar, quanto mais elas se perpetuarem por si próprias. Mas é foda, camarada. Muito foda. Dói perder alguém que é um referencial. Talvez o maior referencial. Muito possivelmente o maior referencial.
E aqui, eu vou me levantar e vou pensar duas vezes antes de me olhar no espelho. Porque eu tenho os mesmos olhos pequenos e repuxados, o mesmo osso esterno afundado, as mesmas pernas finas e tortas e o mesmo saco grande do meu pai. Tenho penteado dele, embora nossos cabelos sejam diferentes; tenho os trejeitos do velho; e tenho o mesmo coração combalido e auto-infligido de dores com as quais eu nunca sei como lidar.
Eu sou filho do meu pai, e gostaria de vê-lo caminhando comigo até o último dos meus dias.
Mas – claro – isso é egoísmo. E provavelmente não será assim.
Mas ninguém, nem eu mesmo, pode me culpar por estar triste e tenso. E querer chorar, muito.
Benção, pai!

Saturday, August 04, 2007

Rocker soccer

Nunca dei muita bola para o futebol, a não ser por um pedacinho da infância, por causa da “febre da Copa do Mundo” em 86. Só gostava mesmo de futebol de botão. Quando adolescente, ainda tentei uma vez mais, mas não adiantou: não tá no sangue. Por isso foi estranho para mim mesmo que eu me interessasse em baixar Futból, Drogas, Rocanrol, uma coletânea não-oficial bolada por uns malucos argentinos, com canções que versam sobre o esporte bretão. A maioria das canções é em espanhol, ainda que três britânicos compareçam: os punks tradicionalistas The Business, com “Maradona” e seu refrão irado (“Maradona... you’re shit!”, tirada do disco Hardcore Hooligan) e os indies The Lightining Seeds e Belle And Sebastian, esses numa canção apropriadamente chamada “I Don’t Want To Play Football”. Todo o resto está em espanhol e varia do punk rock (predominante) à cumbia, passando por pop e heavy metal (a involuntariamente hilária “El Hincha”, de uma banda chamada Tren Loco). Algumas são bobagens que não comprometem, mas o resto é de um descompromisso simpático e divertido, como uma pelada antes de um churrasco de amigos.
Você pode achar estranho que não tenha nenhum brasileiro, mas pense: quais boas canções sobre futebol você conhece no idioma do único país pentacampeão do mundo? Fora Jorge Ben, que fez música para todas as posições dentro das quatro linhas (“Goleiro”, “Zagueiro”, “Ponta-de-lança Africano”, etc), tem um sambinha ou outro, talvez aquela do Skank... Mas não, não sabemos traduzir a dita “paixão nacional” em canção.
Meus favoritos do momento, os uruguaios do Cuarteto de Nos, garantem a menção ao Brasil em “Uruguay 1 Brasil 1”, na qual os gauchos ganham o jogo, mas perdem a mulher (!) para um brazuca malandro. Os portenhos Superheroes emprestam dois rockinhos de responsa, Manu Chao faz o que tem feito desde que saiu do Mano Negra (já tá cansando), e o coro alcoólico fica por conta de Los Porretas e Comando Suicida.
Tem rock de arena, punk mainstream (os famigerados Attaque 77), quase dance (!), pontos de vista do torcedor, do espectador que odeia futebol, do jogador... Enfim, tudo que envolve o mundo boleiro. Mas não precisa ser fã do onze contra onze para entrar no clima. Qualquer coisa, tire seu jogo de botões da gaveta e aproveite!


Para baixar, clique aqui.

Thursday, August 02, 2007

Green Jelly - Three Little Pigs

De fato, continuo um moleque.

"Meu pau flácido é o Cristo desse grupo"...

Você tá sabendo. Claro que está. Tem a ver com tudo o que eu sempre te disse, de que somos assim e pouca coisa irá mudar. Que todos os prozacs psicoterápicos ou etílicsos que nos passam não vão funcionar, mas que nem por isso vamos dispensar a garrafa de vinho entre nós dois.
Você também sabe que nós não conseguimos seguir as receitas. Que não conseguimos ir no pagode na sexta ou “cair na balada” no sábado e “deixar a vida levar”. Nem mesmo temos pique para tirar sarro dos que fazem isso. Eles nõ têm noção, mas nós também não. A vontade é sentar em casa ou na guia, com um livro, algumas tranqueiras e muito silêncio, e pensar porque não temos mais disposição de viver paixões se sentimos tanta falta delas.
A verdade é que a gente fica esperando o tempo passar. Tem horas em que a gente acorda e resolve trabalhar. Mas somos lentos, fazemos as coisas bem devagar, esperamos que o tempo ou o Senhor Deus cuidem de tudo. Não conseguimos tirar a igreja de dentro de nós. Tentamos várias vezes enforcar Deus, mas são os nossos egos descomunais que estão pregados na cruz, sofrendo de forma nada santificada para que possamos viver como todo mundo vive.
E claro, o sacrifício é em vão.
“Mas eu acredito na mudança”, você vai dizer. Eu também acredito, e é desse problema que estou te falando. Nós só acreditamos, percebe? Vivemos da fé, “só não se sabe fé em que”, dizia a canção. E fé, meu amor, fé é a pior das drogas, o mais alienante dos vícios, o mais temível dos males. A fé nos ilude, nos conforta, nos acolhe. É queremos só conforto e ilusão. Quem, afinal, quer a verdade?
Mas não precisamos querer. Ela aparece. Ela sempre se mostra, insidiosamente, entre nós.
Mas claro, temos fé que será diferente no futuro.





(a frase do título foi extraída de "O Clube dos Anjos", do Luis Fernando Veríssimo)

Transformers

Fui assistir ontem. É o tipo de filme para o qual você vai com a única expectativa de ver robôs se socando e se transformando em carros. Isso demora para acontecer - Hollywood parece insistir em colocar personagens humanos "simpáticos" e absolutamente descenssários para "gerar empatia com o espectador" (na verdade, é para ocupar espaço no sanduíche enquanto o recheio não chega). O recheio é magro, mas bem feito. Claro que as melhores cenas são as que os robôs estão em ação, ou melhor, na tela, porque mesmo parados eles são mais carismáticos que os humanos do filme. OK, a guria Megan Fox tem uma barriguinha classe A, tão rasa quanto seu talento.
Mas no geral, é um espetáculo para os olhos e para a "criança interior", que não perdia um desenho da série. Eu voltei para casa me sentindo um moleque. Talvez eu seja mesmo.

Wednesday, August 01, 2007

Não vale a comoção

Uma aluna minha foi violentada. Estava indo para o ponto de ônibus no bairro do Porto Meira (perifa violenta de Foz, próxima à fronteira com a Argentina), tomar o coletivo que a levaria ao curso. Não eram nem 06h30 da manhã.
Ela já está de volta às aulas. Não tive a chance de vê-la ainda, mas soube que está agüentando a bronca de maneira surpreendente. Felizmente, ela não teve que ouvir uma das gurias que trabalha comigo comentando “ela é forte, ela agüenta”, num tom pra lá de condescendente. Reconheço que em certas horas não há muito o que dizer. A gente pode até se sentir na obrigação de abrir a boca, mas o melhor é não fazê-lo. Porque o tom de voz dessa minha colega de trabalho foi na base do “esse pessoal de periferia tá acostumada com esse tipo de coisa”.
É, maluco, tá mesmo. A galera da perifa tá acostumada. Eles só estão nesse mundo de passagem, né? Depois o reino dos Céus lhes abrirá as portas. Agora, se fosse uma garota de classe média gostosinha e aprumada, aluna de universitária pública e com um promissor futuro pela frente (mais ou menos como minha amiguinha do parágrafo acima), a coisa seria outra. O estupro não ganharia só um rodapé de página. Foz entraria numa passeata contra a violência, mais ou menos como Sampa na época do estupro e assassinato daquela bela adolescente em Embu. A revista VEJA ou similares publicaria capas indignadas clamando por ações imediatas. A sociedade “de bem” se mobilizaria, e as senhoras da Vila B (invejado condomínio fechado habitado exclusivamente por altos funcionários da Itaipu Binacional) organizariam eventos para arrecadar fundos para entidades de apoio.
Mas não. Foi só uma garota de 18 anos do Porto Meira, negra. Eles estão acostumados. Eles e o pessoal da Vila C, do Três Lagoas, do Porto Belo. Foz já registrou quase 200 homicídios esse ano, a maioria ocorrida nesses bairros aí. E o senso comum da classe média reprisando ad nauseum o bordão “morre quem tem que morrer”.
Claro. Pobre, quando não é ladrão, é safado. Ou coitado. Morrer faz parte da vida deles. Os ricos vão pro céu, ou entram gordos & bem alimentados em seus custosos caixões. Os pobres vão adubar a terra. É assim que eles se tornam “o sal da terra”, como diz a Bíblia.
Alguém poderia lembrar de uma série de coisas dessa minha aluna. Poderiam usar os recursos sensacionalistas e apelativos que a grande mídia usa quando algum jovem bem nascido é vítima de violência, para comover as pessoas. Poderiam lembrar as brincadeiras que o pessoal fazia com a sonolência dela em sala de aula, poderiam lembrar da sofreguidão com a qual ela comia o pão de soja servido à guisa de lanche, poderiam recordar-se dela se esquivando habilmente dos comentários preconceituosos dos universiotários que dividem o mesmo espaço educacional que ela. Caramba, poderiam até usar a imagem dela feliz, abrindo um sorriso largo e franco, fantasiada de noiva para a festa junina da sala!
Mas ela é só uma menina do Porto Meira. Ela agüenta.