Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Monday, April 30, 2007

El libro, la carne y la alma

Algumas pessoas que lêem esse blog e não conhecem minha relação com a música podem estranhar minhas constantes menções ao La Carne. Aos que estão cientes de tal relação pode ocorrer uma impressão pior: que escrevo sobre os caras devido a uma suposta “brodagem” entre nós. Mas para todos os efeitos, declaro que me considero imune a esse tipo de coisa, ou pelo menos, bem resistente: já tive a oportunidade de integrar diversas “panelinhas” (a maior parte delas mais rentável e glamourusa que a do tal “jornalismo cultural”) e sobrevivi a todas. Essas escolhas refletem o tipo de vida que levo hoje, e sem ironia alguma, confesso que agradeço a Deus por isso quase todos os dias.
Bem, o La Carne, né? A primeira vez que li o livro do Boi sobre os caras foi uma leitura superficial, motivada pela urgência (estava no trabalho) e pela curiosidade em conhecer o resultado final da grande reportagem que o apaixonado Fernando levara meses fazendo. Agora, com a paciente conivência da namorada (que entendeu eu passar o fim de um lindo domingo de sol em frente ao micro), li o livro com a devida calma que ele pede, mas ainda com um sentimento de urgência. As linhas se sucediam e se seguiam, e eu não conseguia acreditar que estava chegando o fim da obra. Eu queria mais! Aí eu me dei conta que “ler mais”, no caso do La Carne, é ler o que os caras fazem no dia-a-dia. Porque – sim, conheço pessoalmente os Quatro Cavaleiros do Dia-a-Dia, ainda que não tenha recebido nenhum deles em minha casa, nem tenhamos trocado fotos de família em almoços de domingo – muito do que o La Carne é uma extensão de sua música. Ou sua música, uma extensão de sua vida. Mais ou menos como OAEOZ e o Folhetim Urbano, duas bandas das quais gosto muito e cujos integrantes respeito demais. Mas – sem entrar no mérito de comparações – o que acontece a partir da audição do quarteto de Osasco (principalmente em shows, ou com seu primeiro disco) transcende lugares-comuns e acaba servindo de inspiração para a vida. Não como uma coisa de “ídolo”, que isso é para os fãs da Madonna, do Lobão ou do Lucio Ribeiro.Nem coisa de “mestre”, porque Linari, jorge, Carlinho e Sidney não estão aí pra ser gurus de ninguém. A coisa toda traduz-se em admiração e respeito, essas coisas tão cafonas e tão necessárias.
Tem a ver com o fato de você estar dividindo o espaço exíguo de uma van numa estrada esburacada e ver os caras te acolhendo lá e mantendo o bom humor, mesmo quando você despenca de sono quase caindo no ombro do guitarrista. Tem a ver com o fato de você ver um show dos caras estando completamente sóbrio (por causa da cerveja cara), duro e cansado, às 04h da manhã, e testemunhar uma banda soergunedo-se em força, fúria e beleza sombria superior à cena de estupro do Laranja Mecânica que rolava inesperadamente no telão. Tem a ver com você viajar 10 horas de ônibus para encarar um festival onde os caras estariam, incerto de seu trampo e de suas condições pessoais, e ter sua alma completamente lavada num chão imundo de cerveja enquanto eles executam uma música incompreensivelmente perturbadora e necessária.
Às vezes eu adoto uma postura preconceituosa e desdenhosa contra os “entendidos” de música, sejam eles músicos, jornalistas ou ouvintes, que não vêem graça no La Carne. É por uma falha de meu caráter, é por um pouco do meu sarcasmo, é por uma maldade justificada. É porque o La Carne – com sua música e sua empatia sem empáfia (Senhor, quantos fiéis não dariam a ALMA para consegui-lo!) – mexe lá no fundo das entranhas. E se a alma é só um mecanismo de atividade cerebral, como diz o Kundera, então é lá no cérebro que eles cutucam. Eles parecem ter – e conseguem transmitir em suas palavras e notas e acordes – aquilo que meu brother Diego Fernandes chamou de “coceira na alma”. Pega fundo. Piadinhas infames à parte, por favor.
E por isso, toda a besteirada de “underground do underground”, shows com público piolhento bem-cheiroso e sem pau (ou sem alma) no Jive, “profissionalização” e empresários, e outras tantas histórias relatadas no livro, só reforçam que a mediocridade pode reinar, mas realça ainda mais o brilho do que não é gênio, mas faz o sangue e o coração todo pulsarem para fora do corpo.
Boi, um relato demasiado emocionante do La Carne, um relato preciso, forte, com bem menos hipérboles que a primeira leitura me pareceu sugerir. Fico honrado de ter participado e igualmente honrado com a contextualização que me desloca do meio comum. Mas não é sobre mim que escrevo, nem sobre mim que falo. É sobre o La Carne. Ler sobre eles é um prazer. Escrever sobre eles é uma necessidade.

Saturday, April 28, 2007

El Lobo no se salió nada mal

Incoerente, ele sempre foi, mas como ele mesmo declarou no Jornal da MTV, “se você não gosta, arrume outro ídolo que não te decepcione”. Lobão tinha virado a Britney dos indies, pois começou fazendo pose de roqueiro, negou o rock, pulou pro samba, tentou chamegar a eletrônica e o trip hop, virou “muso” dos alternativos (entenda-se garotos remediados de grandes centros urbanos e profissionais liberais de pau mole), voltou ao rock de novo e agora lançou seu produto sobre a grife mais comodista da indústria fonográfica brasileira, o Acústico MTV. Coerência zero, mas como o que interessa mesmo é a música, só fala mal do disco quem não tem ouvidos.

Lobão sempre criticou os produtores de seus discos, culpando-os por soarem datados e presos a modismos de época (do pop uêive que praticava com os Ronaldos passando pelo hard rock anêmico do fim dos 80 até o quase-metal farofa disfarçado de “samba-rock” no infame O Inferno É Fogo). Culpa deles ou não, o fato é que os arranjos prendiam várias canções ao período em que foram lançadas e acabava embolorando grandes composições. Várias dessas foram recuperadas em sua forma mais essencial e empolgante no projeto da MTV. “Bambino”, que nem era lembrada em sua encarnação ronalda, é minha preferida do momento, mas até a insistente “Me Chama” está aqui numa versão que a recupera do cansaço da repetição. Ainda acho que só o guitarrista da Gang 90 (cujo nome me esqueci, Herman alguma coisa) sabia cantar apropriadamente o refrão de “Noite e Dia”, mas isso é só um comentário, não uma ranhetice. As faixas de A Vida É Doce, com cordas verdadeiras substituindo as emuladas em estúdio, provam que aquele disco, disfarçado de chupação de Portishead, trazia as melhores letras, harmonias e estruturas melódicas do Lobo.
Todo o blábláblá sobre ele pode ser deixado de lado. Restante o disco (que contém uma pequena parcela do melhor de seu trabalho e elimina nulidades parvas como “Junkie Bacana”, “Dedededéu” e “Presidente Mauricinho”), tudo está de ótimo tamanho

Thursday, April 26, 2007

A Inequivocável Semelhança com Tomas


Acabei de ler a primeira parte de A Insustentável Leveza do Ser. Nunca levei tanto tempo para ler um livro, mas não é a lentidão mental nem a falta de tempo que me retém a leitura, e sim o estilo direto e preciso de Milan Kundera. Sempre “ouvira falar” muito do escritor tcheco, mas ele entrava no rol dos grandes escritores que nunca li, como Dylan Thomas, James Joyce ou Ernest Hemingway. Um sebo em Foz do Iguaçu me salvou nesse caso específico, e não poderia ser mais grato ao acaso, essa força de intenções imponderáveis que parece reger nossas vidas.
Como pode ser que um livro seja tão apropriado em um momento tão intimamente pessoal e urgente? É certo que, quando precisamos de respostas, tentamos encontra-las em qualquer lugar que pareça oferecê-las. Mas esse livro não traz respostas, e sim compartilhamento das dúvidas, sentimentos e angústias; os terrores e anseios mais profundos de uma alma masculina que luta para esconder sua superficialidade, uma superfície que segue plácida e segura enquanto transcorre segundo suas próprias leis, mas totalmente desprovida de forças ou determinação ante ao poder insidioso do acaso.
Não sei onde o livro me levará, ou mesmo onde ele conduzirá a si próprio – estou lendo-o lentamente para saborear as sensações plenas e reflexões recorrentes que ele está me proporcionando – mas até o presente momento, perco o senso de ridículo para afirmar, com toda a certeza, que Tomas sou eu.

La Carne

Quando escrevia seu livro sobre o La Carne, o Boi (vulgo do amigo Fernando Lalli) entrou em contato com vários músicos, jornalistas e incansáveis agitadores de shows para colher deles depoimentos, pareceres e informações sobre a banda. Eu fui um dos agraciados com a honra de fazer parte da obra. Então, numa manhã de segunda ou terça-feira, não me lembro ao certo, na qual acordei especialmente puto e com a certeza que precisava fazer alguma coisa urgentemente, me sentei à frente do micro e comecei a responder o que ele me perguntara. Foi um ótimo jeito de começar a tomar atitudes.
Esses dias, fuçando em meus arquivos digitais, encontrei essas respostas que lhe dera e resolvi transcrevê-las aqui tais como as redigi, a não ser por umas correçõezinhas ortográficas. Muito do que escrevi saiu no livro, mas mesmo assim, achei interessante colocar a íntegra aqui. Segue adiante.


Boi!

A demora foi grande, mas não excruciante. Portanto, sem mais delongas:

1) Conheci o La Carne pra valer através de Rubens K, baixista do Terminal Guadalupe. Estive em Curitiba em janeiro de 2005 e ele me mostrou o primeiro disco dos caras. Lembro-me de ter ficado apavorado com “De Uma Lembrança Estranha”, cuja constituição deslavadamente pop não escondia uma das letras mais fortes e diretas que já ouvi, uma sinceridade brutal bolada num groove que seria uma espécie de “New Model Army clichê”, caso houvesse existido algo assim alguma vez. Claro que já os havia ouvido antes – nos dois volumes da coletânea Graomphone Multimídia (dos quais sempre foram os autores das faixas mais destacadas), no programa Musikaos, da TV Cultura. Me recordo que a banda havia me agradado muito, e amigos sempre insistiam para que eu ouvisse a banda. Sempre faltava aquela combinação entre tempo e disposição. Até que chegou Curitiba...
E aí que eu fui trombar com os caras ao vivo na Outs, em São Paulo, no dia 01 de abril de 2005, cujo show presenciei e a respeito do qual fiz uma resenha para o Scream&Yell. Você estava lá, e sabe o que foi ver os caras lavando “É Baderna!” enquanto a cena de estupro do Laranja Mecânica corria solta no telão do bar. Não dava para deixar passar barato. A emoção do pessoal de Curitiba lá presente em “Desconhece o Rumo, Mas Se Vai” fez sentido para mim quando adquiri o disco e percebi aquela letra, aquela levada instrumental... Me voltaram à cabeça imagens da viagem à Curitiba, trechos de livros do Mario Bortolotto e a sensação de uma vida pela frente. Não dava para deixar barato. Tocaram covers de Ludovic (“Você Sempre Me Tem Aos Seus Pés”) e Nick Cave (“Papa Won´t Leave You, Henry”) como se ambas as bandas fossem iguais, e como se fossem canções deles. Não dava para deixar passar assim, de qualquer jeito. E, claro, tocaram “De Uma Lembrança Estranha”. Ou não. Mas posso estar errado.
Depois vim a entrevistar os caras em Taubaté, na Padaria Santo Expedito, o santo das causas urgentes. A urgência era bebida, entrevista para o Scream & Yell e minha ida à Foz do Iguaçu, onde hoje resido. E a urgência virou a amizade e a camaradagem. Nunca uma banda com tanto estofo musical e história pessoal fora tão humilde e cativante em uma entrevista quanto eles. Coisa de se contar para a mãe (claro que não o fiz) e para os filhos (outra coisa que NEM QUERO fazer). E depois teve o show, onde alucinei (uma constante nos shows do La Carne) durante várias faixas (em especial “Desconhece...”) e, por fim, assumi o microfone como conseqüência do descontrole em “Viaduto do Sol”, seguramente, a música mais filhadaputamente rock’n’roll feita no Brasil. Minha vida não teve um “antes” e “depois” disso. Só um durante.

2) E aí, depois de um tempo em Foz do Iguaçu (tempo suficiente para chamar Deus de viado na aduana Brasil-Argentina e cometer outras blasfêmias e sandices), fui parar em Curitiba no Rock de Inverno. Não obstante o excelente e também inesquecível show do Terminal Guadalupe naquele dia, muito do que se ouvia pelo 92 Graus era “espera só o La Carne” ou “que horas os caras [LC] vão tocar?” Era essa a expectativa de uma cidade onde uma ínfima parcela da população (a que interessa a mim) venera o La Carne como a voz do Messias na terra. Não sei se foi Deus quem falou naquele dia, mas parte do paraíso desabou nas minhas costas quando as cortinas do palco do 92 se abriram e os Quatro Cavaleiros do Dia-a-Dia apareceram tocando uma musica nova. Carlinhos e Jorge com suas expressões impassíveis, só lavando os instrumentos no sangue dos cordeiros inocentes vitimados pela caridade burguesa; Sidnei quase invisível de trás da bateria e Linari, em um mood especialmente Linariano, comandando o maior carisma que brota das entranhas daquela pança. O La Carne é assim. Assim foi, assim será, para sempre será, como diria o Elegia. E os escravos somos nós.
Se precisa de informação adicional sobre isso, posso dizer que escalei uma das colunas de sustentação do bar, poguei, fiz stage dive, rolei pelo chão imundo de cerveja enquanto arrancava forçadamente lágrimas dos meus olhos com minhas próprias mãos. Talvez estivesse tentando arrancar os meus próprios olhos para parar de ver o mundo com aquele coquetel de raiva e descrença que me era constante até então. Posso dizer que foi um dos melhores dias de minha vida, e nessa vida houve dias bons. Posso dizer isso, claro. Mas não sei se o farei. Está aqui, de qualquer forma
Sempre quando penso no La Carne, penso em Sangue. Não sei dizer porque exatamente (e se soubesse, não o faria), mas há algo em seu instrumental de New Model Army latino (reducionismo jornalístico barato) que lida com funções corporais e sensações emocionais. Digamos assim. Ou digamos que as letras de Linari cortam a carne (trocadilho involuntário) porque passam uma sensação que um pode vivenciar quando abandona a vidazinha medíocre e conformista do dia-a-dia. Não é uma música que se presta a bundões. Quem empurra os dias não consegue ouvir La Carne. Há mais do que coceira nas linhas e entrelinhas da banda. Há porrada, violência, empurrão, urgência. Beleza não sei, não sei se é belo o que vivenciamos aos trancos e barrancos. Mas há tesão, excitação, prazer imediato mas não hedonista. Prazer prolongado, quando a vida vira um prolongamento da música. Há zombaria de tudo, até mesmo quando um delegado Paranhos qualquer aparece para te foder a paciência, ou quando um especialista na questão vem trazendo a solução. La Carne é assim, goste quem gostar.

3) Por que o La Carne não toca nas rádios FM e AM? Ora, Fernando, pela mesma razão que somos o que somos: medo. Há medo de ter algo violento e lavado assim nas rádios. La Carne atormenta, não é choque gratuito para impressionar os grupos conservadores nem escândalo fácil para moleque chocar o pai. La Carne tem seu poder nas entrelinhas, e esse tipo de coisa não é o forte do brasileiro, que não sabe entender nem filmes sobre sua própria história se não tiver uma explicação didática padrão-Rede Globo no meio.
Há também, inegavelmente, um certo fator preguiça por parte dos caras. Eles tocam onde for necessário, é verdade, talvez preguiça seja uma palavra terrivelmente errada. Mas esses caras não sabem fazer social, sabe aquela mítica instituição sacramentada e burocratizada dos escritórios brasileiros? Então, é isso. O La Carne não tem paciência para fazer esse social, seja com diretores de gravadoras, promotores de TV, bandas amiguinhas e, principalmente, jornalistas. A “imprensa indie” (“independente” aqui é sinônimo de “não-remunerado”) vive de conchavos, troca de elogios e festinhas. Se o camarada dorme na casa do jornalista tal quando vai tocar em SP ou Porto Alegre, se fulano manda disquinho e camiseta de graça, põe o nome do show, divide umas brejas e a marofa... bom, aí ele “ganha destaque” no meio. E claro, tem que ser bonitinho também. Os caras do La Carne não são bonitinhos, nem a música deles o é. Não tem espaço para gente assim.
Não dá para culpar o jabá, no caso do La Carne. O problema é a preguiça – preguiça de ter a cara de pau de ser igual a todo mundo e pagar pau para gente bosta. Preguiça de participar da institucionalização da música e dos vícios de uma “indústria”, que de indústria só tem os vícios, já que não tem os lucros. Muitos chamam isso de preguiça, a maioria de ingenuidade, outros talvez chamem de burrice. Eu chamo de dignidade.


É mais ou menos isso, meu caro Fernando. Enquanto espero o mundo explodir aqui e me refaço de uns abalos, é bom escrever este texto. Estou a uma hora e quinze minutos de ir ao psicanalista. Falar sobre o La Carne é quase uma terapia. Ouvir o La Carne é uma transformação. Ser o La Carne... bem, isso é só para aqueles quatro caras.

Grande abraço!
Leonardo
Foz do Iguaçu, 28/08/006

Tuesday, April 24, 2007

If Only - Transcargo

Ivan, brigadão por me apresentar essa MARAVILHA!

Ao vivo no Rock de Inverno 5 (2004).

Benzadeus...

Friday, April 20, 2007

Bersuit Vergarabat - Vuelos

Sempre penso na Bersuit como um Café Tacuba argentino - formato pop para ritmos folclóricos - ou como o Titãs dos anos 80 - fake e sem muita originalidade, mas nem por isso menos curtível. Há vezes em que erram a mão feio, e outras acertam em cheio. "Vuelos" é um desses casos. Uma letra primorosa sobre as mortes na ditadura, um violão simples e perfeito amparado em uma batida melódica e altamente envolvente, com as filigranas do violino.
Tirada do DVD "De La Cabeza", gravado ao vivo no Estádio Obras Sanitárias, em Buenos Aires.

Tipo... "foda"..


Só não vou porque não tem como mesmo (trabalho, dinheiro, visitas chegando). Senão, estaria lá, pogando e etcs.
Carlão, Renatinho, Rubão e demais companheiros: a vida na estrada tem dois sentidos, já escreveu o Igor. Da van para a vida.
Lacarnes... desovem esse disco, prease!

Wednesday, April 18, 2007

Grupo de Extermínio de Aberrações

Via Rubens K, cheguei a umas músicas do disco vindouro do Violins, Tribunal Surdo (título provisório). No meio dessa pré-mixagem, as músicas me soaram instigantes, apesar das vozes meio frau (um problema meio generalizado dos indie rockers), porém uma me chamou a atenção acima de todas as outras: Grupo de Extermínio de Aberrações. Não só por ser ganchuda (sem adjetivos derramados, ela gruda e pronto), mas principalmente pela letra, que me dei ao trabalho de transcrever abaixo. Pode ter um errinho ou outro, os vocais ainda não estão em sua mixagem final, o que compromete um pouquinho a audição, mas nada calamitoso.

Atenção, atenção
Prestem atenção ao que vamos dizer
Nós somos o Grupo de Extermínio de Aberrações
De toda a sorte que você possa conceber
Vindo até vocês pra pedir
Qualquer quantia que se possa fornecer
E garanto que seus filhos vão agradecer por poder crescer
Sem ter que conviver com bichas e michês
E pretos na TV

Tá faltando soco inglês
O estoque de extintor não chega ao fim do mês
Eu não tô pedindo aqui uma fortuna pra vocês
A gente quer limpar o mundo de uma vez

Amigão, amigão
Abaixa essa arma que é melhor pra você
Nós somos o Grupo de Extermínio de Aberrações
E não viemos pra ofender
Viemos receber
Sem medo de pedir pra vocês
Qualquer quantia que se possa fornecer
E garanto que seus filhos vão agradecer por poder crescer
Sem ter que conviver com discípulos de Che
E putas com HIV

Tá faltando soco inglês
O estoque de extintor não chega ao fim do mês
Eu não tô pedindo aqui fortuna pra vocês
A gente quer limpar o mundo de uma vez

E eu garanto que seus filhos agradecem por crescer
Sem ter que conviver
Com bichas e michês
Pretos na TV
Discípulos de Che
E putas com HIV


Sabe, de certa forma, acho que não é de todo fantasiosa uma realidade como essa da canção. Vivemos em uma sociedade de catarse, que acredita em mártires, salvadores milagrosos e apoteoses vingativas. Se duvida, basta conferir a lista de personalidades, políticos e novelas de sucesso, para confirmar respectivamente as três crenças acima. Há um sentimento que extrapola o “olho por olho, dente por dente”, expresso em frases ditas em frente à TV, como “tem que jogar esse filha da puta numa cela com três negão lôco pr’ele aprender” ou “uma biscate dessa tinha que ser currada e deixada viva pra sofrer com o trauma” (como eu ouvi em casos e lugares distintos, sobre notícias recentes).
Meus alunos hoje em dia vêm das camadas mais baixas da sociedade, o extremo oposto do meu emprego anterior. Mas se você acha que por isso eles são desprovidos de preconceitos e crueldades óbvias, tem mais fé no ser humano (ou é mais ingênuo) que você mesmo supunha. Um outro professor que toma o mesmo ônibus que eles já teve que serenar os ânimos de um grupo que ficou sacaneando uma colega de curso negra e outro afeminado. O “engraçado” é que, entre os zombeteiros, vários mulatos e mestiços em geral. Nada tão surpreendente num país onde há skinhead mulato (a prova de que o nazismo só se presta aos imbecis taí), mas nem por isso menos ridículo. A burrice não privilegia classe social.
Muitos judeus que foram libertados dos campos de concentração se mudaram a outros países e houve dentre esses muitos que adotaram uma postura fascistóide e discrimnatória em relação aos “nativos” – há uma passagem cortante no Maus (Art Spiegelman) sobre isso, na qual o velho Vladek quase enfarta ao ver a nora francesa parando o carro numa estrada rural para dar carona a um fazendeiro negro.
Esses exemplos – que descambaram para o raciocínio mais rasteiro do preconceito racial – foram só para lembrar que o tal papo do “brasileiro cordial” pode ter sido muito usado, mas nunca correspondeu muito ao nosso caráter. Nosso caráter é o da Lei de Gérson, o da “pouca farinha, meu pirão primeiro”. Bem aquele tipo de coisa: todo mundo quer que algo seja feito, contanto que não seja ele próprio quem tem que fazê-lo.
Por isso aceitamos salvadores. Por isso também fica fácil aceitarmos executores. Não tem gente que até hoje tem saudade do Esquadrão da Morte?

O ravióli, o governador e alguma coisa inútil sobre garçons.

Para o almoço de domingo, eu e a namorada decidimos gastar um pouco mais em comemoração ao sucesso de uma cirurgia que ela fez – e aproveitar para brindarmos àquele meu emprego novo, ainda que temporário. Escolhemos um restaurante na Argentina (benefícios de se viver na fronteira) e fomos. Como até comemorações pedem pelo menos um pouco de bom senso, escolhemos um prato que podíamos pagar (ravióli de roquefort, 14 pesos) e o vinho branco mais escondido e de valor mais barato na carta (Etchart Privado Torrontés, 10 pesos, exclusivo de Salta, saímos no lucro, era coisa fina).
Já conhecendo as porções generosas e as terrinas superlativas do restaurante em questão, pedimos apenas um prato para nós dois. Ficamos felizes como pintos no lixo (ou pobres no luxo, que é a mesma coisa), até que chega outro garçom (o que nos atendeu primeiro abandonou nossa mesa, na certa pressentindo que não ia ganhar gorjeta) e traz nosso prato numa porção bem menos opulenta que de costume e comenta: “só esse pouquinho?”. É, Pablito, só isso. Minha namorada, com cara de pneu murcho, jurou que eles estavam de sacanagem. Eu ri... e depois, quando minha memória acessou suas lembranças da outra vez que eu comera lá, tive certeza que era sacanagem. Em desagravo, comemos devagar e ficamos terrivelmente satisfeitos (o popular “estufados”), deixando de pedir um segundo prato que talvez viéssemos encarar (estávamos dispostos a tanto, já que o câmbio nos favorece e o clima era de festejo).
Saciados e mais lúcidos, vamos conversar com o tal segundo garçom. Conheço os únicos meios de dobrar um garçom argentino sem lhe dar gorjeta, e usei-os todos com ele. Ele elogiou meu espanhol e seguiu contando histórias – essa conversa toda sempre te livra dos olhares constrangedores na hora de sair de um lugar onde o pessoal vai mais pelo ambiente (opulento) que pela comida (realmente boa) – uma das quais envolvia o prestigioso governador do Paraná, Roberto Requião.
Quem é daqui deve conhecer a peça. Não vou nem comentar a destruição que ele está operando no ensino público, principalmente nas universidades (um professor efetivo que ingressar na UEL não chegará a ganhar um salário de três dígitos, isso para não mencionar a estrutura curricular e financeira dos cursos); tampouco as suas “brilhantes” declarações à imprensa; a história dos pedágios nem vale ser lembrada e a falácia da tal “economia agrária” (onde o pequeno agricultor se f*** e o latifundiário aumenta suas terras e a destruição da natureza – o Paraná só perde para o Pará em devastação da mata nativa, tendo 92% de sua mata original deflorestada) é tão acintosa que me abstenho de escrevê-la para evitar a úlcera.
Requião, quando vem â Foz, cruza a aduana (e vê que não há qualquer fiscalização no sentido Argentina-Brasil e deixa por isso mesmo) e vai almoçar lá, onde estávamos eu e a minha namorada. E costuma destratar os garçons, de imbecil pra baixo, segundo nosso interlocutor. Na última vez que esteve lá, ao perceber a aproximação de um jovem garçom loiro de franja caída no rosto, gritou: “tira esse viado daqui! Manda ele pra mesa de gay! Eu não quero ser servido por viado!” Dito pelo cara que chamou os agricultores pro pau e chamou estudantes da universidades públicas de desocupados, até faz sentido.
Aí o garçonzinho que nos atendia completou: “quando ele vem aqui, é sempre com uma comitiva de trinta ou quarenta pessoas (N. e é tudo pago por nós, otários), gastam muito, são bons fregueses. Mas nos tratam como cães”. Quase completei, com a ironia velha de guerra, que nós podíamos não gastar como o Requião, porém pelo menos éramos dignos no tratamento, mesmo que nos trouxessem uma porção canina. Mas não completei. Ficou subentendido.

Tuesday, April 17, 2007

Se toque nem sempre é coisa de ginecologista, conselho é cutucada do tinhoso

Ou alguma coisa assim. Você sempre pode contar com o Márcio Américo para escrever um texto contundente, direto e que diz aquilo que você sempre quis escancarar mas lhe faltou coragem e poder de síntese. Tirado d0 blog dele, colocado aqui para os leitores deste.

QUER UM CONSELHO?

Acho que foi o Walt Whitiman quem disse: o que pode haver maior ou menor que um toque? Pelo menos era a frase que eu lia mensalmente na capa da revista Primeiro Toque. Amigos, às vezes, dão um toque. Um toque não é um conselho, um toque não precisa de resposta nem de pergunta, só os grandes amigos dão um toque. Um toque tem que ser dado na hora certa, caso contrário transforma-se no grande e horripilante conselho. Chatos dão conselhos. Chatos dão conselhos porque se acham acima do bem e do mal, porque julgam que a pessoa aconselhada só poderá prosseguir em sua jornada no planeta com sua preciosa ajuda, então, mesmo sem autorização da vítima, ela lança-lhe seus dardos de conselhos iluminados. Não pense que conselhos parecem-se conselhos. Há conselhos fazendo cover de toque: Te cuida! Fica com Deus! Não se deixe enganar, são todos conselhos fazendo-se passar por toque. O ultimo a sair apague a luz! Parece um toque, não é. É um conselho.

Você dificilmente vai se lembrar de conselhos, afinal de contas teu pai deve ter te dado uma porrada deles e de que adiantou? Olhe teus amigos! Olha tua mulher! Olha teu emprego! Olhe tuas roupas! Olha os blogs que você visita! Quer um conselho?

E muito difícil não dar conselho, é tentador. O conselho nasce a nossa frente como uma luz eternal, como se fosse uma lótus encantada, e então nos transforma em pequenos mestres com poderes mediúnicos:
_ Eu sei o que você tá passando!
_ Fique tranqüilo. Vai passar!
_ Amanhã vai ser outro dia!
Toques não tem nada a ver com passado ou futuro, até porque você nunca sabe quando alguém te deu um toque. Toque é sutil e desinteressado. Ninguém faz uma advertência antes de dar um toque, já o conselho:
_ Olha, se conselho fosse bom ninguém dava, mas...
Caso você se foda uma vez na vida, e isto vai acontecer, o conselheiro dirá:
_ Não adiantaram nada meus conselhos!
Se você se der bem:
_ Pelo menos pra isto valeram meus conselhos!
Caso não aconteça porra nenhuma, o conselheiro não se abate:
_ Calma, o tempo dirá se tenho ou não razão!

Cuidado com os conselhos, eles só têm um objetivo, adequar você ao modo de vida do conselheiro, uma versão filial do proselitismo, uma espécie de jesuitismo urbano contemporâneo.
O fabuloso e injustamente desconhecido cantor e compositor Minas de França, dá um bom exemplo de conselho em um de seus milhares de hits:

“eu vou te dar um conselho
olha, eu não sou espelho
pra você vir se mirar”

Saturday, April 07, 2007

Naya zindagi, naya jeevan

Por mais que eu tente, não escapo da profissão de professor. Com o perdão do clichê: está no sangue. Posso tentar fazer qualquer outra coisa, mas seja o que for, nunca é duradouro. Inclusive dia desses publiquei um diálogo ocorrido numa madrugada curitibana com uma pequena incorreção textual. Depois que li e vi o erro, fiquei com preguiça de corrigir. Mas o que rolou foi mais ou menos isso:

Adriane Perin (a alma mais gentil da capital paranaense): Cara, olha só! Há quanto tempo eu não via o dia amanhecer!
Rubens K (escritor, baixista do Íris e do Terminal Guadalupe): Pois é... vida de roqueiro...
Adri (franzindo a testa): É...
Rubens (sorrindo): Mas sabe que eu não troco essa vida por nada?
Adri: Nem eu.
Rubens: Porra, eu já tentei ser de tudo nessa vida e fracassei em tudo. Nada deu certo. Só o rock.
Eu: Pois é. E eu já tentei um monte de coisas também e não dei certo em nenhuma delas, inclusive músico. Só dei certo como professor.

É isso. Casa nova, projeto novo, mas a profissão de sempre, só que mais desafiadora e estimulante. Grana? Dessa vez não é a motivação principal, e isso muda muita coisa. Vai ser bom.

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O melhor da Sexta-Feira Santa são os peixes, digam o que disserem. É incrível que toda a riqueza fluvial de Foz não barateie o preço dos peixes (mas tudo bem, a carne de vaca é bem baratinha por aqui). Mas às vezes você dá sorte em encontrar a equação “preço + qualidade” numa medida mais que satisfatória. Ensopado de pintado com leite de coco, strogonoff de camarão e dourado assado por R$ 7,50. Deus abençoe!

Em estúdio

Bandas boas dizem prometem lançar discos esse ano.

Terminal Guadalupe – A Marcha dos Invisíveis é, indubitavelmente, o melhor disco dos curitibanos. A coisa pendeu para o rock’n’roll, esse gênero meio em desuso. O disco foi gravado e mixado na Toca do Bandido (RJ) por Tomás Magno, e o material que eles disponibilizaram no MySpace me fez entender o que o Rubão queria dizer quando repetia que “a rapaziada se esforçou mas o disco não ficou como a gente queria”, para se referir ao antecessor, Vc Vai Perder o Chão. As guitarras aqui soam como nunca soaram em um disco do TG – há riffs!! Com as letras meio em segundo plano, é um álbum “de vida duração” (nas palavras acertadas do Dary Jr.) que ressucita aquela recomendação “ouça bem alto”. Pena que nunca vai sair em vinil.
O tal papo – recorrente – se eles vão “estourar” ou não fica para uma outra ocasião. Chegaram a ser destaque na Veja, mas quem de nós, fãs, se importa mesmo com isso? Se estourarem, ótimo, vai ficar mais fácil ver um show dos caras aqui em Foz. Se não, bom... eu não vou deixar de gostar da banda por nenhum desses dois motivos. Mas ainda acho que “o” disco do TG será o próximo.

La Carne – “Um dia sai”, disse Wellington Dias, do selo Gramophone e misto de manager, fotógrafo, divulgador e amigo dos caras. O registro sonoro deve seguir o padrão dos anteriores e a julgar pelas faixas ouvidas no show em Curitiba – “TGP”, “Blues dos Seus Absurdos” e “Dândi”, mais uma outra cujo nome não me recordo – deve seguir o padrão de qualidade do álbum de estréia, La Carne (1997). Ou seja, outro clássico a caminho. O som que só o La Carne sabe fazer (e repito: só eles), mas com aquela pegada redonda e até meio pop, por assim dizer. Linari voltou a cantar alto como só ele sabe. Roga-se que ele não destrua suas valorizadas pregas (opa!) vocais antes disso.
Segundo o critério Rolling Stone magazine (“tem dez anos de carreira e/ou lançou três discos, já é clássico”), eles entraram para o panteão. Mas honestamente, La Carne é um som à prova de cuzões e clichês. Há muita gente (indies assumidos e não-assumidos, por exemplo) que costuma não gostar da banda. Azar deles.

The Vain – A próxima cepa virulenta que contagiará as mentes e corações da juventude mundial sairá de Taubaté, SP. The Vain é a perfeição das equações matemáticas epicêntricas e baricêntricas convertido em boa música pop. E se Deus permitir e o Bruno Botossi tiver corrigido aqueles deslizes nas letras, eles superarão o Coldplay na preferência das garotinhas, e todos terão droga e sexo de sobra, antes de se auto-imolarem na própria soberba. Mas se nada disso acontecer e o disco-basílica Let Them Come for finalmente lançado, está de bom tamanho. Segundo o mesmo Botossi, só falta terminar de gravar as guitarras do Fabio Figueira, que aparentemente vive se esquecendo de ir ao estúdio. Até o presente momento, o disco gravado no estúdio & bar Hocus Pocus (São José dos Campos, SP) já registrou as presenças convidadas de Emerson Deniz (baixista do Elegia, respondendo aqui pela viola erudita), Vivian Cunha (a melhor cantora desconhecida do Brasil, junto da minha amiga blueseira Ana Lucia) e do próprio produtor Marcelo Dangelo (também do Elegia).
Will they come? É esperar para crer. Oremos.

OAEOZ – Ivan me mostrou umas demos quase prontas. Reduzido a um quarteto (André Ramiro escolheu se dedicar aos projetos Índios Eletrônicos e ruído/mm, também mui recomendáveis), o som ficou ainda mais folk. As letras estão no meio termo entre a esperança fugidia e o desalento completo. Com o Carlão cantando, estabeleceu-se uma dualidade de estilos vocais que –espero – pode ser aproveitada para um jogo de vozes bem interessante. Estão gravando e mixando em estúdios caseiros e sairá apenas pela internet.
Uns boçais, eu inclusive, escreveram umas abobrinhas chamando a banda de “progressiva” na época do Às Vezes, Céu. Não procede, nunca procedeu.

McQuade – O antes trio, depois quarteto, agora trio de novo vai lançar Chinese Democracy este ano e... Ops, não é bem esse o título, mas o André (Pagnossim, vocalista e guitarrista) garantiu que até o fim do ano sai o sucessor de Meu Mundo Perfeito (2002), disco em que a qualidade das canções foi inversamente proporcional à qualidade sonora do produto final. Parece que dessa vez eles estão melhor assessorados em termos de produtores e afins, embora eles continuem sem traquejo nenhum para “fazer social” com as “pessoas certas” e “vender seu produto”. É um pecado que “Hippies Let’s Go!”, “Meu Mundo Perfeito” e “Dia de Casar” não tenham virado hits de uma geração. Para esse disco novo, sem título ainda, devia rolar uma regravação dessas daí (e até de outras, por que não?) para corrigir a injustiça. Das faixas que vão entrar nesse disco novo, conheço só a wanderwildneriana “Casa Vazia” (disponível para download aqui). Há uns dois anos, ouvi umas demos que não sei se vão entrar ou não. Tudo coisa fina, com uma grande influência de country rock, mas para o lado mais “contemplativo” da coisa. Leva a aprovação desse velho ranzinza.

Deve ter mais gente boa aprontando discos bons por aí. Se souberem, me avisem.

300

Filme ruim. Poderia gastar linhas e linhas de mau humor para descrever esse filme horrível, adaptado de uma série que já não era textualmente muito brilhante nos quadrinhos. Mas os abusivos R$ 10,00 do cinema até que valeram graças ao espetáculo da idiotia humana que é um cinema cheio de jovens e adolescentes num domingo à noite.
Barulhos de sacos de salgadinhos sendo rasgados, visores de celulares acesos o tempo todo, alguns idiotas atendendo aos amiguinhos, gente levantando no meio das batalhas para comprar junk food e os comentários propagandeando o “filmão!” na saída compuseram uma cena de diversão sui generis, uma daquelas confirmações que o Apocalipse se aproxima e não vai ser pelo fogo e enxofre, e sim pela nossa própria idiotice. Mas vá lá. A humanidade faz por merecer.
O filme? Música melodramática e cafona, personagens profundos como uma tupperware, incorreções históricas aos montes, diálogos de “mano” em plena Grécia Antiga, um conquistador andrógino (Rodrigo Santoro queimando o próprio filme), uma cena de sexo que decepcionaria os espectadores da finada Sexta Sexy, militarismo burro (existe outro tipo?), efeitos especiais que transformam rinocerontes em mamutes pré-históricos e elefantes em criaturas maiores que prédios comerciais, deformações exageradas, tentativa forçada de inserir o sobrenatural e uma cena com um oráculo que mais parece um comercial de Seda Xampu soft porn. A tentativa de recriar as cores de Lynn Varley (a única coisa realmente boa da série original de Frank Miller) é menos que válida. Zack Snyder não é Robert Rodriguez, que com Sin City conseguiu transformar uma historinha chinfrim em um filmão de visual alucinante. Devia ter ficado com filmes de zumbi tipo Madrugada dos Mortos, que tava bom demais para o currículo dele.
E sou só eu, ou tem mais gente aí que acha que esse negócio de cenários digitais tá deixando o cinema com cara de jogo para computador? Uma das coisas mais legais da sétima arte sempre foi o esforço para tornar mundos antigos e/ou imaginários críveis para nós. Mas durante toda a projeção, fica aquela sensação de wallpaper de PC.

Neguinho sai do cinema com essa cara depois de um filme tão ruim.

Tuesday, April 03, 2007

Cascadura

A primeira vez que eu tive contato com o Cascadura foi no Rock de Inverno VI, em 2005, eu almoçando com os caras do La Carne (e o Carlinho confundindo bisteca de porco com filé de frango, para a ira do Jorge) e o Ivan Santos na outra mesa com eles. À noite veio o show e eu, entristecido por ter encarado o festival com muito menos púbico que eu esperava (fiquei com raiva dos curitibanos, por terem tanta música boa à disposição em lugares tão legais, e ainda assim desprezá-los como os cuzões que são) e cansado pela farra que tinha sido o show do Góticos 4 Fun, não dei muita bola pro show dos baianos. Na hora me pareceu muito “70”, no lado não muito criativo da coisa. Eu estava em outra parada, pessoal e musical. Em resumo, me faltou o tal “contexto”.
Mas aí veio 2006 e gente muito confiável me recomendava a audição de Bogary, terceiro disco dos caras que saíra encartado na outracoisa, pior revista de música do Brasil. Como esses que recomendavam eram pessoas do meu mais alto apreço e como a “imprensa especializada” (tanto a “alternativa” como a “oficial”) não pagasse muito pau pra eles, a curiosidade ficou aguçada, até que, com uns meses de atraso, a revista chegou à “banca do Magazine Luiza” (uma banquinha de esquina que tem os melhores gibis e pocket books de Foz) e eu, que até então não havia comprado nenhum disco nacional no ano, decidi investir o valor de uma hora/aula no CD.
Foi o primeiro – e único – disco de rock brasileiro que comprei em 2006. Não precisava de outro. Puta disco bom, um disco de rock, rock mesmo, guitarras decentes, lap steel, cozinha entrosada e fazendo mais que segurar bases. A seqüência “12 de Outubro”, “Elnora” e “O Centro do Universo” rodou tanto no meu player que poderia ter facilmente me cansado. Ao contrário, só me viciou mais. E eu pensando, “pô, como esses caras melhoraram!”.
Até que no começo desse ano encontrei o álbum anterior, Vivendo em Grande Estilo, baratinho na Sensorial Discos, São Paulo. Movido pelo vício causado por Bogary, não titubeei. E agora o pensamento é outro: “pô, como eu devia estar xarope naqueles dias”. Vivendo... é tão bom ou até mesmo melhor que Bogary. Tem uma inspiração setentista, sim, uma coisa meio Lynyrd Skynyrd, mas é uma inspiração, e não uma chupação. Órgão e percussão trazem detalhes importantes, mas é a dinâmica da banda que impressiona, além do talento inegável de Fabio Cascadura como compositor. Coisas como “Queda Livre”, “Wendy” e “Gigante” entram praquele hit parade pessoal e vão marcar viagens, lembranças, bebedeiras, reflexões, momentos carinhosos, solidão e tudo mais que importa e faz parte da vida. As canções rocker são ainda mais roqueiras. A preocupação pop é natural. Discão.
Aí vem sempre aquele pensamento já clichê: como é que um som desses é off media? É pop, é pesado, é marcante. Sei que esses termos já foram aplicados à bandas medíocres ou mesmo bandas razoáveis mas ainda muito cruas, mas dou a cara pra bater. É o tipo de som que deveria fazer os moleques de quinze anos quererem aprender a tocar violão para interpretar essas canções. As baladas fazem meninhas, moçoilos e velhos precoces a se fechar no quarto e curtir o som sozinhos. O que acontece, então, que ninguém dá a devida trela a esses caras?
A “imprensa” não fala porque é um disco que saiu na outracoisa, e não vão fazer propaganda gratuita. OK, isso é business. Indies não gostam de rock (já viu indie gostar de Led, Who ou Skynyrd? E não venha me dizer que eles gostam de Neil Young, que eles estão mentindo). Mas e os donos da coisa? Os caras que põem o Moptop em evidência, por que eles não colocariam “Mesmo Eu Estando do Outro Lado” nas FMs?
A resposta, vinda de FONTES FIDEDIGNAS, é: porque os caras são feios. É. E porque o vocalista, além de não fazer social com as “pessoas certas” (e eu, ingênuo, pensando que só fábricas e universidades tinham esse esqueminha...), é negro. “Quem é que quer uma banda de rock com um preto no vocal, ainda mais com os outros caras sendo feios?”, foi o que disse um desses letrados homens de negócio. Aí você vê quem esteve nas capas da Rolling Stone brazuca, assiste aos comentários dos jurados e dos espectadores de Ídolos e dá uma passeada por um colégio de classe média, e começa a entender que o tal businessman tá certo. O que tá errado é todo o resto.


Os caras são esses. Puta banda, mas...



...mas pela "lógica", deviam vir numa embalagem dessas.

COMO FAZER AMIGOS E INFLUENCIAR PESSOAS (POLÍTICA)

(de Roger Rocha Moreira, consta do disco "Ó!", do Ultraje a Rigor)

Eu não gosto nada disso
mas eu deveria dedicar um certo tempo
prá sair com o pessoal da gravadora
já tenho namorada mas talvez fôsse melhor
se eu namorasse com uma das divulgadoras
talvez mudar prá perto do escritório
só prá ouvir o falatório e controlar minha carreira
tenho que ir na rádio e na TV e falar bem de todo mundo
prá não ir prá geladeira (ô ô ô)

Política é assim
Política
Política (ô ô)
prá você e prá mim

Deve ter alguma coisa errada, não é possível
que a gente tenha que viver assim
eu não acho bom ter que viver lustrando o ego de alguém
só prá esse alguém gostar de mim
precisamos um do outro mas não é desse jeito
que a gente tem que se relacionar
viciados em levar vantagem não podemos
ser alguém em quem se possa confiar (ô ô ô)

Política é assim

Política (ô ô)

prá você e prá mim


Mas se você acha que é legal viver fingindo
prá ninguém poder falar mal de vocês
e você não pode se mostrar então você
não é ninguém que valha a pena conhecer
você se dá bem com todo mundo mas não é nada
tão profundo como ter uma amizade
distribui abraços e sorrisos mas não vai
poder sentir o que é um abraço de verdade (ô ô ô)

Asylo Arkham

Hey, hey, hey, a felicidade em pílulas!

É Deus, me deu de estar aqui

Eu, Jonathan Crane, Phillip Morris, Deus

A gente tá tudo aqui
Era pra ter um monte de lembranças e citações do País das Maraivlhas
Mas eu nunca estive lá

Só sósósósós´sós´so

A sós


Eu e Deus e o mundo
Deus é o cara legal
Eu sou o cara esquisito
O mundo é aquele cara ali da ponta
Viemos todos nós parar no Asylo Arkham

Não foi o morcegão que nos prendeu não
Cada um foi trancafiado meio que por vontade própria.
Deus, pela sensação de fracasso e por porque não entende mais como as coisas funcionam
Eu, porque abdiquei de tudo que podia me fazer feliz com carroesposatrabalhomissarivotrilvidafilhoaposentadoriapensaoprivada
E o mundo às vezes vem nos visitar

Sempre deixam a porta da minha sala aberta
Mas sair por quê?

Das coisas que passam pela cabeça em um momento

Um dia você acorda e descobre que desde o primeiro momento semi-consciente da sua vida você saiu brigando com o mundo, só não mandou o médico que fez seu parto tomar no cu porque lhe faltavam recursos lingüísticos.
Você seguiu crescendo e brigando com quem pudesse, com seus pais e irmãos, com o deus que lhe disseram existir, com aqueles outros que estavam à sua volta. Aí você descobre, já um tempinho considerável depois, que brigar não resolve e decide tentar agradar todo mundo: aquele deus, pai, mãe, irmão, professor, cachorro, transeunte. E vem um tempo, variável de acordo com o senso de cada um, que você descobre que agradar também não resolve.
Ai acontece, grosso modo, duas coisas: neguinho vê que fazer drama é perda de tempo e acha um ponto de equilíbrio que vai manter até o fim da vida, à exceção de uns altos e baixos bem humanos. Ou então pira, e essa piração assume as mais variadas formas e gera as mais diversas atitudes, mas não esconde o fato que sua consciência e vontade são tão firmes quanto a gema de um ovo frito.
Parece que a maior parte da humanidade, na qual me incluo, faz parte desse segundo grupo aí, e vive uma relação de admiração e inveja com a outra parte. Pode acontecer, e frequentemente acontece, de acharmos que toda aquela história de casa-filhos-televisão e carnê do baú é o normal, e até quem se puna por não fazer parte disso. Também pode ser, e não raro é, que o sentimento de incompreensão alavanca uma vontade incomensurável de mandar tudo e todos à merda, como se só você passasse por lá.
Mas não. Nem todo mundo nasceu pra sonhar com o Big Brother (e não estou recriminando aqui quem sonha em disputar o paredão com o Alemão). Assim como nem todo mundo nasceu pra bater carimbo no dia-a-dia, como um número considerável de pessoas parece se esforçar em fazer. Todos – negros, brancos, vermelhos, verdes, putas, católicos, evangélicos, muçulmanos, bêbados, abstêmios, doentes, etc – vão passar pela merda um dia. Até o ACM vai. O Bill Gates vai. A Cameron Diaz vai. Eu vou. E você também.
E o que nos faz mais homens, mais dignos, mais suportáveis? Dificilmente acaba sendo a grana que temos. Claro que ela compra paciência, conforto e vinho de ótima qualidade, mas não só. Também não é o tão valorizado shape ateniense, porque na hora que o bicho pega, não é um abdome de Rodrigo Santoro ou uma bunda de Scheila Carvalho que vão resolver os problemas.
A lista é grande e tornaria o texto mais adolescente do que já está, mas acho que você já entendeu. A questão toda está numa palavrinha muito diluída nesses dias de marketing segmentado e rebeldia confortável: atitudes. É aquilo que a gente faz antes, durante ou depois de passar pela merda que vai fazer a diferença. Não só porque você precisa dormir bem à noite – você pode perfeitamente ser um pulha com uma auto-imagem excelente, e seu sono vai ser mais doce que o do Bebê Johnson. Nem porque importa a sensação que você vai passar antes do médico dar o diagnóstico final, porque ninguém garante que seu auto-julgamento vai seguir critérios salomônicos.
A coisa toda que importa é que você provavelmente vai acordar amanha. E quando abrir os olhos, vai ter que passar mais 24 horas convivendo consigo mesmo. Inexoravelmente. Quer você queira ou não, você sempre vai ter você ali,
E aí, antes de pensar em deixar o legado pros filhos, você pensa se o cara que vai acordar no dia seguinte não vai estar com vontade de matar o cara que foi dormir na noite anterior. Se for esse o caso, é sinal de que tem alguma coisa valendo muito pouco a pena.

Despretensão

Flavio Ciancirulo foi baixista dos Fabulosos Cadillacs, aluno de Javier Maseratti (o Pastorius argentino) e mora na agradabilíssima cidade de Salta, no noroeste argentino. Essas referências já credenciam o cara como alguém digno de apreço e atenção. E lá pra fins do ano passado, ele deve ter acordado, tomado seu mate cocido e saído para dar um rolê pra ver as petisitas culonas na Peatonal Florida antes de comer um asado ou um pollo relleno, voltado pra casa, e pensado: “pô, o Ian Dury é legal, né? Eu podia gravar uma música em homenagem pra ele”. E foi nesse espírito que ele gravou não uma, mas quatro canções leves e totalmente despretensiosas, num EP que ele disponibilizou para download gratuito em seu site.



Welcome To Terrordance é isso, um presente de Natal para os fãs da carreira-solo do ex-Cadillac, tudo numa boa, tudo muito tranqüilo e divertido. “Ian Dury”, a tla faixa-homenagem, é a melhor do pacote, o estilo do líder dos Blockheads misturado com os primeiros tempos dos LFC. A faixa-título e “1000 Razones” são quase punkinhos ensolarados e de letras bem sacadas, nas quais Ciancirulo se declara “não ser um crente do rock”. A última, “Dub Me Nena”, é um dubzinho que seria melhor se fosse instrumental, mas ainda mantém o espírito “cuca-fresca” e a despretensão num estágio muito saudável. Para quem quiser, vai lá. Tem até capinha pra imprimir.




E foi pelo site do Señor Flavio que cheguei ao site do Satlellite Kingston, que me levou eventualmente ao do Victor Rice, baixista e produtor americano que vive aqui pertinho, no Copan, em São Paulo. Rice já produziu meio mundo nos circuitos ska/jazz/reggae/dub e tocou com tanta gente quanto, inclusive é um dos responsáveis pelo projeto Easy Star All Stars, que trouxe Dark Side Of The Moon e OK Computer para névoas dubbistas.



Entre os álbuns de próprio feitio, Rice tem o excelente In America, uma das minhas mais recentes e melhores aquisições (baratinho, perdido nos balcões da mesma Sensorial Discos). Faixas deste e de seus outros trabalhos estão disponíveis para download em seu site, e, salvo uma ou outra exceção, é tudo dub à moda antiga, ou seja, alguns bons músicos e muita piração nos controles do estúdio. O fato de Rice assumir como “professores” Bela Bártok, Wayne Shorter e Don Drummond quer dizer muita coisa. Música instrumental pensada e bem executada, um som “cabeção” (inclusive no sentido leso da expressão), e não “cabeçudo” (hermético, fechado). Música para se ouvir cozinhando, bebendo, fumando, fazendo nada... você conhece o esquema.