Um blog em todos os sentidos, com umas coisas escritas por Leonardo Vinhas. Tudo que representa o presente e reflete o passado, sem vaticínios futuros.

Friday, July 27, 2007

Hard Days' Night

E para quem ainda não leu, tem textos novos aqui no www.crasezine.cjb.net.

Muito trabalho em projetos atuais, vindouros, e minha estréia no teatro iguaçuense. Quando passar a doideira, eu atualizo. Espero que demore pra passar!

Friday, July 20, 2007

Possum Dixon - Nerves

Quando veio o enxame de bandas "pós-pós punk", ninguém se lembrou do Possum Dixon, uma banda que já havia garimpado o baú de Police, Talking Heads e Gang of Four lá pelos idos de 94. Puta sacanagem. Eles não tinham nada de novo, claro, mas eram copiadores de boas idéias, ótimos singles e postura nada blasé. Acho que esse clipe, por imagem e música, traduz bem a simplicidade e as boas sacadas "reinventadas" de um bom sonzinho de três acordes, com órgão garageiro e letra enumerativa.

ACM


Morreu. Muda alguma coisa?

Tuesday, July 17, 2007

Não Verás País Nenhum

"Estou propondo questões aos teóricos em literatura. Quem vai atrás de quem? A ficção se alimenta da realidade? Ou a realidade imita a ficção? Velha indagação aos ensaístas que se debruçam anos em cima dos livros elaborando teses complexas. Posso parecer megalomaníaco, mas me ocorreu outra situação. Exatamente 20 anos atrás, publiquei um romance, Não Verás País Nenhum, hoje ainda meu livro mais vendido, mais traduzido, melhor criticado. Ali, em uma linguagem que oscila entre o terror e a ironia, descrevo um país que não se sabe governado por quem, uma nação sem árvores, sem água, mergulhado na seca, no calor, com problemas cruciais de energia, cidades às escuras, população habitando guetos, violência extremada como hábito cotidiano, ruas congestionadas por carros que ficaram paralisados quando o combustível terminou, o medo, a insegurança."


(Ignácio de Loyola Brandão, autor do livro cuja capa está aí ao lado, em ensaio de 2006).

Um dos livros mais áridos (sem trocadilho) e tensos que já li. Um mundo sem água, sem árvores, com a crueldade e a desigualdade de sempre. Sem maniqueísmos e com um anti-herói simpático em nada, é muito provavelmente a melhor ficção científica já escrita no Brasil. Tida como alarmista e apocalíptica naqueles tempos de ditadura militar (onde a desgraça acontecia em qualquer lugar, menos no Brasil... seundo a propaganda oficial, logicamente), é tristemente atual, não apenas por trazer a questão do aquiecimento global, mas por centrar sua narrativa em terra brasilis, com foco na concentração de riquezas, de água e de poder, levando ao colapso aquilo que já está degradado. E o povão assistindo a tudo com a cara de paisagem. Das desoladas.

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Monday, July 16, 2007

El Cuarteto de Nos - Ya no sé que hacer conmigo

"Y oigo una voz que dice sin razón: 'vos siempre cambiando, ya no cambiás más'. Y yo estoy cada vez más igual, ya no sé que hacer conmigo".

Excelente clipe de canção idem.

Filmes, livros e afins, todos conferidos recentemente. Vamos lá:

O JOGADOR MISTERIOSO (The Card Player)

Dario Argento tem uns traços em sua obra que parecem ser indeléveis: a mistura de misoginia com adoração excessiva pela figura feminina (em especial mulheres jovens, belas e emocionalmente abaladas), violência com armas brancas e demais objetos perfurantes, ruas escuras, ambientes claustrofóbicos, bondage precedendo a morte, homens heróicos que tem sua dignidade punida com assassinato, desejo enquanto obsessão e loucura; e no centro disso tudo, uma mulher com traumas familiares e dificuldade em ter relações sexuais. O Jogador Misterioso tem isso tudo, com menos sangue e violência gráfica que o habitual, mas com direito a uma mini-autópsia. Às vezes acho ele um ótimo diretor que faz filmes confusos; em outros casos, um pervertido que faz filmes interessantes. Esse em questão tá no meio termo entre os dois. Estranho.

FLORES PARTIDAS (Broken Flowers)

Dizem que esse é o filme mais comercial e acessível de Jim Jarmusch. Como dele eu só vi Estranhos no Paraíso e Dead Man, não posso opinar com propriedade, mas não vi maiores concessões que a cor ou alguns nomes famosos no elenco (excepcional, aliás). É um grande filme: poético, estradeiro e muito, muito bonito, ainda que com um travo de amargura. A história do Don Juan que nunca se viu como tal e só vê tédio em sua tranqüilidade (e vice-versa) sai numa busca (induzida, sim, mas também escolhida por ele mesmo) pela mãe de seu hipotético filho. Os cinco (sim, cinco! Reveja o filme e conte direito) encontros não trazem o passado de volta - coisa que ele, Don (Bill Murray), nem queria. Mas isso não quer dizer que ele ficou para trás. De comover o coração e (acima de tudo) a mente.
Observação: apesar do notável elenco feminino e da atuação impressionante de Murray, quem rouba a cena é o carismático Jeffrey Wright, no papel do vizinho de Don. E é ele quem fornece a trilha do fimle, um aplastante jazz etíope temperado com algumas soul songs. Alguém tem essa pérola para eu gravar?

QUARTETO FANTÁSTICO E O SURFISTA PRATEADO (Fantastic Four 2 – The Rise Of The Silver Surfer)

Sempre vi o Quarteto como personagens de segunda (aliás, terceira) categoria, cuja fama se deve mais à tradição (ter sido uma das primeiras criações da Marvel) do que à qualidade de suas histórias ou ao carisma de seus personagens. Assim, passo longe de ser o típico fanboy e consigo me divertir bastante com as duas tranqueiras que são os filmes da série. Claro, as atuações são horríveis, os diálogos pueris (mas vá lá, eu ri um monte) e os efeitos especiais desperdiçados na “dancinha do Reed Richards” poderiam ser melhor gastos aprimorando o Galactus. Pra não falar no Dr. Destino, corno de novela mexicana transformado em supervilão. Mas e daí? Estamos falando da equipe de super-heróis que dá mais margens para brincadeiras escatológicas – ou vai dizer que você nunca parou para imaginar como seria uma transa do Sr. Fantástico, aquele que estica todas as partes do corpo, com a Mulher Invisível? E olha que eu nem citei o Coisa (aliás, beeeelos nomes, hein?), um gigante de pedra alaranjada. A ação demora séculos para acontecer, porém quando chega, é aquela seqüência de ação digna de empolgar o adolescente nerd dentro de cada um. Tudo como um grande hambúrger – zero de valor nutritivo, muito espalhafato e nada que fique na memória, Mas na hora, cai que é uma maravilha.


APOCALYPTO

Mel Gibson gosta de sangue, sofrimento e crueldade. Adora mostrar gente inocente sofrendo, com detalhes para o sangue, mutilação e humilhações, com especial destaque para a garganta de um ente querido sendo cortada ou para alguém sendo torturado em posições de sacrifício ritual. Depois dizem que eu é que sou bizarro e fetichista...
Apocalypto traz a mesma coisa que você já viu em Coração Valente e A Paixão de Cristo, só que sem a empolgação do primeiro ou a polêmica do segundo. Simplesmente não há história, é quase um O Albergue passado na civilização maia: gente inocente sendo mutilada sem razão nenhuma, e depois sendo vingada por um “herói” com ainda mais requintes de crueldade. Nada de se espantar para quem colocou um corvo comendo os olhos do ladrão que zombou de Jesus (só faltou mostrar Judas sendo empalado com um ferro em brasa).

Já pensou o que a mulher desse cara deve agüentar na cama?

E se não ficou suficientemente claro: o filme é apelativo, com roteiro cheio de buracos e cansativo pacas. Fora que deve ter gerado um impacto ambiental irreparável. Merda superproduzida e pretensiosa não deixa de ser merda.

A CABEÇA – Luiz Vilela

Se eu não chamei Luiz Vilela de “gênio” umas postagens atrás, foi apenas porque a palavra anda desgastada pelo mau uso – e também porque eu ainda não tinha material o suficiente para analisar isso. Esse A Cabeça veio para confirmar a impressão que Histórias de família tinha deixado: uma prosa seca e curta, tão centrada em diálogos tão bem-conduzidos que não dá para entender como ninguém adaptou algum dos dez contos desse livro para o teatro (fica a dica). Minas Gerais é um palco onde o mundo explode em tabus, violência, dogmas vazios e escatologia, tudo isso sem a avalanche limítrofe de “merda”, “porra” e “cacete” que uns e outros gastam por aí. Quando ele quer ser sensual, ele vai cutucar na tua pedofilia não-assumida (“somos todos meio pedófilos, mas quem vai dizer?”, sentenciou uma amiga uma vez), por exemplo. Quando há violência, ela aparece na tensão de um moreno bonachão papeando numa mesa de bar do interior de Minas Gerais, torturando a consciência do cara que o sacaneou – sacaneou mesmo? Freiras em férias, uma querendo dar, a outra querendo ver e a terceira rezando por elas... todas no fim, só pensando nos bolinhos de bacalhau do retiro para onde deverão ir. Podia continuar listando os “causos”, mas o recado está dado: A Cabeça é um livro que se lê de uma “sentada” só (em uma hora dei conta do bicho), mas o qual se relê (física e mentalmente) muitas e muitas vezes...

SÉRIE GARFIELD L&PM POCKET – Jim Davis

São sete volumes e eu tenho todos. Faz pouco tempo, comprei o 6 e o 7, que são os melhores até agora, junto com o primeirão. Pegam fases mais antigas do gato mais famoso do mundo, com o cinismo ainda em dia (se bem que não perdeu a validade), o apetite mais voraz, as banhas mais disformes, a preguiça mais indolente, etc. Ah, claro, e um Odie mais babão e um Jon mais panaca. Eu acho Garfield um ícone dos tempos modernos e deixo esses livrinhos expostos com certo destaque na prateleira porque, na real, são um dos meus itens preferidos de meu humilde acervo. E estou disposto a adquirir quantos mais volumes vierem!

LIGA DA JUSTIÇA – Keith Giffen

Quem tá perto dos 30 e tinha o saudável e dispendioso hábito de ler quadrinhos na adolescência, certamente tem as melhores lembranças da Liga da Justiça escrita pelo Keith Giffen. Por várias razões editoriais que não cabem aqui, o cara teve que trabalhar com personagens bisonhos como Besouro Azul, Gladiador Dourado e Homem Elástico. Aí ele e seu parceiro J. M. de Matteis fizeram a única coisa possível: escracharam as tramas e as atitudes dos ditos “heróis”, fazendo uma série mais de comédia que de ação, onde o humor absurdo de Giffen era completado pelos diálogos prolixos e cheios de ironias e jargões de De Matteis (já que Giffen escrevia apenas os roteiros, deixando os diálogos para seus colaboradores). Quando entravam os ditos heróis “consagrados” (Batman, Aquaman e afins), a coisa toda ficava ainda mais divertida, ao contrapor a suposta “seriedade” desses personagens jurássicos com as palhaçadas da nova equipe.
Achei uns números da antiga revista Liga da Justiça bem baratinhos num sebo daqui de Foz e comprei uns números de diferentes fases. Ficou claro que, com De Matteis e o desenhista Kevin Maguire, Giffen teve seus melhores momentos, com mais criatividade e menos repetições de piadas e situações – coisas que passaram acontecer com outros parceiros que ele teve. Pena que os quadrinhos mainstream não comportem mais esse tipo de “ousadia”, que garantia, na mais remota hipótese, boas risadas. Agora é um tal de matar e reviver personagem...

A MORTE DE IVAN ILITCH – Leon Tolstoi

O conde Leon Tolstoi é considerado um dos maiores nomes da literatura de todos os tempo, autor de obras tidas como imortais, como Anna Karenina e Guerra e Paz. O curioso é que, no fim da vida, ele passou a renegar esses todos os seus demais trabalhos anteriores, centrando foco nos seus últimos escritos, entre eles, este A Morte de Ivan Ilitch, “o mais conciso e mais poderoso conto de todos os tempos, a melhor narrativca já escrita”, segundo alguns críticos. Desconheço os clássicos citados, mas sobre o livro em questão, tenho uma forte tendência a acreditar nos críticos. Em menos de 100 páginas de um livro de bolso, testemunhamos a agonia dos últimos dias de um burocrata e sua mediocridade próspera desde a infância. Dizer que o livro critica a hipocrisia das instituições ou o vazio da vida burguesa é limitar a análise à discurso de calouros de faculdade xarope. Digamos que, mesmo antes de terminá-lo, ele incomoda. E incomoda. E incomoda...
E segue incomodando e questionando até agora.

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Thursday, July 12, 2007

Versos roubados de algum livro apócrifo

E se não existir Céu nem inferno, amigo? Você já pensou nisso? Nem reencarnação, nem nirvana, nem nenhum tipo de pós-vida ou benesse transcendental. A vida é aqui e acabou, sem Deus para livrar tua cara e te perdoar, sem Cristo para redimir teus pecados, sem outras vidas desmemoriadas para pagar os karmas dessa, sem novas existências em vacas, peixes ou plantas; só o pó e as cinzas, e mais nada reservado para você.
Você pode até ter pensado naquela frase sempre lembrada por quem não leu Os Irmãos Karamazov: "se Deus não existe, então tudo é permitdo". Eu já penso por outro lado. Se Ele não existe, aí é que a responsa aumenta. Porque se somos todos um monte de tecidos e fluidos que vieram para esse planeta com a capacidade de sentir alguma coisa, aí então é que fodeu mesmo. Não vai ter segunda sessão. A vida é uma só. Então, ele não pode ser tão inútil e vagabunda assim.
Ela não pode ficar resumida a meia dúzia de compras no cartão de crédito e viagens registradas na sua câmera digital último tipo. Ela não pode ficar resumida a uma trepada bem dada numa noite de quinta-feira ou numa vida de com a mesma pessoa, vendo a mesma novela, só com atores diferentes. Não tem como ela ser um emprego onde você tem um cargo pomposo, um vice-troço de sub-bosta qualquer, nem como ser um sorridente atendente de uma cadeia de fast food aspirando ao cargo de gerente de limpeza, por um salário trinta reais maior. Não pode ficar presa ao seu martírio religioso nem à sua fodeção charliebrowniana disfarçada de marginália literária. Não, cara, não tem como ser assim.
Na verdade, não dá para saber como tem que ser. Somos a geração que tem acesso a tudo e não sabe de nada. Mas aí, você lembra que um dia você leu um camarada mezzo gente boa, mezzo atormentado, chamado Saulo, escrever assim: "quando eu era criança, pensava como criança, agia como criança, sentia como criança. Agora sou adulto e abandonei as coisas de crianças. Hoje vemos como em espelho e de maneira confusa. Mas um dia veremos como realmente é". Só que acabamos sendo crianças por tempo demais, crianças mimadas, adolescentes com brinquedos caros. Alguns de nós nem tiveram a chance de ser drianças. E a todas essas, essa frase na cabeça, trazendo a pergunta: "e quando vai chegar esse dia, em que veremos como realmente é?".
Olha, o único jeito de responder a essa questão é com algumas daquelas coisas religiosas do começo do texto. Até espero - e mesmo chego a acreditar - que elas existam. Aí será tudo mais fácil no final. Mas como eu não estou disposto a colocar a mão no fogo por isso, estou seguindo aí para ver como realmente é, e não tem emprego nem festa nem tédio nem tesão no mundo que vão me mostrar isso.
O texto termina com reticências, que ninguém preencherá por mim.

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Wednesday, July 11, 2007

Ah, o amor...

ASSIM SENDO

(anotações para orientar Noé)

Tem gente que ama muito

Mas depois quer se livrar do amor

Pra conseguir um novo amor

Ou pra conseguir a vida que tinha antes do amor

Porque o amor muda tudo

O jeito que você segura o talher

Ou o jeito que você anda na rua

O amor incomoda

O amor é foda!

(Mário Bortolotto)

Tuesday, July 10, 2007

El perro callejero

Não faz muito, apareceu um cão aqui em casa. Forte, bonito e saudável demais para ser um cachorro de rua. Tava na cara que havia escapado de alguma casa. Mesmo assim, escolheu nosso bagunçado quintal como residência e se estabeleceu aqui. Dormia ou debaixo dos carros, ou em cima do canteiro de tijolos que está ao lado da porta da sala desde sempre. Nos recebia aos pulos sempre que eu e minha namorada chegávamos em casa, e sempre nos acompanhava a pé até nosso destino, fosse a padaria ou o trabalho. Teve um dia que ele até tentou me acompanhar de carro, e eu tive que acelerar e fazer umas curvas desnecessárias para despistá-lo, com medo que ele fosse pego pelo imprevisível trânsito da Vila A.
Ele nunca cobrou nada de nós. Claro, era um cachorro, como ele iria cobrar alguma coisa? Mesmo assim, foi ele quem nos escolheu, e veio parar em nossa vida sem intrusão. Ele sabia qual era o limite dele, e nós também, não nos sentimos “donos” dele em momento algum, embora já estivéssemos vivendo como se fossemos adotá-lo. Minha namorada até já o tinha batizado de “Pitoco”, com um pouco de relutância de minha parte, embora eu não tivesse nome melhor para lhe dar.
Porém veio uma noite em que ele não retornou. Ele tinha me acompanhado até a academia, esperou um pouco, cansou-se e foi rodar por aí. E não voltara. Fiquei primeiro preocupado, depois triste, depois os dois. Mas entendi que ele deveria ter achado a casa dele – como eu disse, era um bicho bonito demais para ter vivido na rua. Eu e a Lidi nos consolamos com isso. “Pelo menos ele está na casinha dele”. E você sabe, não há lugar como o lar, mesmo que esse lar seja uma peça de kitinete solitária em algum endereço obscuro.
Mas não é que esses dias encontramos com ele nas ruas? Ele estava brincando por aí, com outro cão, ambos fortes e felizes, numa saudável irresponsabilidade de infância canina. Aí finalmente caiu em mim a ficha que dizia que ele (Pitoco foi só o nome que demos, ele não precisa de nome, pois ele sabe quem ele é), aquele cão, não pertencia a ninguém, a não ser à sua própria vida. É uma licença poética dizer que cachorros têm liberdade de escolha. Mas, honestamente, esse me transmitiu ter. Ele passava uma felicidade genuína quando estava por aqui, tanta felicidade como raras vezes me lembro de ter sentido. E quando o vimos na rua, ele passava a mesma felicidade, a mesma vitalidade. Ele estava fazendo o que tinha que fazer. Ele pode até não saber o significado da palavra “escolha”, mas ele estava vivendo intensamente, e sem encanações, sua vida. Por isso ele tinha uma aparência tão bela. Não tinha só a ver com cuidados, tinha a ver com viver com intensidade e desapego. Tem muitos cachorros que não conseguem fazê-lo, mas o número de pessoas assim certamente é muito maior.
E se ele quiser voltar, a porta estará sempre aberta. Mas ele nunca será nosso. Ele é dele mesmo, e de mais ninguém.

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- São uns adolescentes, esses dois!
- É, eles vivem se portando como adolescentes. Mas eles já estão praticamente nos trinta!
- É, por isso que eles deviam se tocar que certas coisas não se faz em público! Será que eles não percebem que a janela do quarto deles dá para o nosso quintal?
- E nem fecham a janela?
- Que nada, a gente ouve tudo! Coisa de moleque mesmo!
- Eu também já vi os dois em público, parecia que estavam “brincando de se pegar”, uma coisa assim boba... E mesmo assim, riam igual crianças!
- Eu falo, eles não têm semancol!
- Não mesmo!
- E quando ele sai correndo sem camisa, de tarde, todo empolgado? Será que esse vagabundo não trabalha, não?
- Parece que trabalha, mas...
- ...
- ... Mas eu vejo ele saindo de manhã tão feliz, nem parece que ele vai trabalhar.
- E ela também sai sempre com um sorriso que parece que vai engolir o mundo!
- Os dois estão sempre sorrindo.
- Sempre.
- E parece que estão sempre felizes, e que não estão nem aí para nada.
- Pois é.
- Ô, inveja...

O HOMEM-BOMBA ATACA NOVAMENTE

Eu já fui descrito pelo Carlinhos (La Carne) como portador de um “humor de homem-bomba preso num engarrafamento em Bagdá”. Procede, na maioria das vezes. Sob camadas de civilização, mais umas camadas de psico e fitoterapia, eu consigo soterrar essa montanha de stress e intolerância, e às vezes, até fazer piada com ela – porque se levar a sério demais é pedir para escorregar para o túmulo mais cedo e por pouca coisa. Mas tem horas que não dá para segurar as aparências, porque fazê-lo seria ainda pior para a minha saúde.

Como anteontem. Era uma mulher com voz de sirene de ataque aéreo, uma espécie de estridência rouca que seria incômoda por si só. Para piorar, ela dá razão demais ao poeta que escreveu que “ninguém se cansa de ouvir o som da própria voz”. E ela dominou o monopólio sonoro do ambiente. Não se escutava nem o ruído dos talheres, só a voz da gralha, soltando palavras tão cheias de ar (devido à falta de substância) que curariam um ataque asmático. Mas era uma mesa com “as pessoas do trabalho”. Eu sempre digo que a visão do inferno é uma reunião pedagógica com professoras incompetentes e mal-comidas vomitando jargões pedagógicos. Agora imagine essa situação numa mesa de restaurante onde está alguém que não admite nem que você diga um palavrão quando vê os descontos do INSS no seu hollerith, e esse “alguém” calha de ser a pessoa que paga o seu salário. Então você tem que ficar quieto e agüentar, pelo menos até os outros convidados chegarem e você ter uma desculpa para mudar de mesa. Foi o que eu fiz, mas não adiantou muito – além de outra gralha gorda ter ocupado a mesa ao lado, a Gralha Primeira continuou infestando o ar com suas opiniões incontestáveis sobre tudo.

Pensei nas dezenas de grosserias bem-colocadas que eu poderia dirigir a ela, desde as que eu vi em livros até algumas que criei na hora. Entretanto, em prol da convivência harmônica na ambiente de trabalho, nas regras de convívio social e, principalmente, na possibilidade de continuar sendo contratado da empresa, sufoquei a raiva criativa até chegar em casa e explodir em mau humor, ranger de dentes e dores de garganta.

O senso “tosqueira machista”, de permanente plantão, imediatamente explicaria a atitude da “dama da sociedade” do parágrafo acima como decorrente, simplesmente, de “falta de rôla”. Mas é uma inverdade. Não há rôla nesse mundo que cure uma alma que caga pela boca.

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Sobre certas coisas

Lembra daquilo que eu tinha escrito sobre você? Então, não vale mais.

Lembra daquelas coisas todas que tinham algum valor? Eu as comprei, e elas desvalorizaram. Agora qualquer um pode levar.

Você deve lembrar de uma porrada de coisas. É porque você escolheu viver essas coisas e lembrar delas intensamente, tudo ao seu modo, claro.

Fique com as suas lembranças. Mal, elas não vão te fazer.

As minhas estão em algum lugar por aí. Espero que você não as encontre.

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Sobre o tempo

Que tempo bom, que não volta nunca mais

O tempo não volta mesmo.

O relógio pode ficar parado. Você pode ficar parado. A contagem dos seus dias não.

Se Deus inventou o dia e a noite, foi para que nós pudéssemos contar as auroras. Porque um dia nós não vamos vê-la mais. A gente nunca sabe quando a última aurora prenunciará o crepúsculo final;

Você pode fazer o que quiser para se esquecer das horas. Mesmo assim, elas terão passado.

Assim como a água escorre pelo ralo deixando apenas alguns resíduos, os seus dias ficam deixando umas manchas úmidas por aí.

Entre ter feito o que você queria, e ter feito o que os outros queriam que você fizesse (supondo que você saiba a diferença entre um e outro)... no fim, que diferença isso faz?

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Thursday, July 05, 2007

Histórias de família















Bondade diante do caixão: o morto não precisa dela, ele está morto. Felizmente ele está morto. "Seu pai foi um santo homem", me disse o vizinho, o que Papai, em casa, chamava de crápula; como ele, em sua rodinha, chamaria Papai? Santo homem... Nunca, Papai nunca foi isso. Era um homem egoísta, às vezes cruel, um marido desconfiado, um pai sem carinho, um filho distante. Mas se, durante a vida dele, essas pessoas que estão lá embaixo [na casa] agora tivessem chorado um pouco por ele, sido boas com ele, talvez ele tivesse sido melhor. Mas, vê-se, e4las estavam esperando primeiro ele morrer. Ser bom com os vivos dá muito trabalho: amanhã ele estará morto, e iremos chorar sobre o seu cadáver - assim é masi fácil.

Trecho do conto "Enqaunto dura a festa", um dos melhores dessa antologia de Luiz Vilela. Conheci o trabalho desse contista mineiro na infância, no oitavo volume da série "Para Gostar de Ler" (tenho até hoje!), que trazia ainda Ignácio de Loyola Brandão, Luiz Fernando Veríssimo e outros muito dignos de nota. Reencontrar o autor e conhecer outros lados - mais amargo, mais sensual, mais nostálgico, mais duro - de seu trabalho foi mais que uma grata surpresa, foi a revelação de um autor para se correr atrás.

Um pensamento

Por mais que digam que o desprezo dói: prefiro a indiferença sincera à gentileza forçada.

Não se esforcem em ser gentis ou condescendentes, por favor.